quarta-feira, 29 de abril de 2009

ESQUEMA DISSERTATIVO: A RETROSPECTIVA HISTÓRICA

Nesta aula, será desenvolvida uma dissertação por meio de retrospectiva histórica. Certos assuntos permitem esse tipo de análise, que pode ser realizada por meio do seguinte esquema:



INTRODUÇÃO

1º parágrafo: apresentação do tema e da tese.

DESENVOLVIMENTO

2º parágrafo: retrospectiva histórica (época mais distante).

3º parágrafo: retrospectiva histórica (época mais próxima e época atual).

CONCLUSÃO

4º parágrafo; expressão inicial (portanto, em resumo, dessa forma etc.) + retomada do tema e da tese (agora sob uma perspectiva histórica).



Obs: se você estiver escrevendo uma redação sobre um tema cuja retrospectiva histórica envolva três épocas diferentes, convém escrever um parágrafo para cada época.




Para maior compreensão desse esquema, escreva, para o tema abaixo, uma dissertação que utilize tal esquema.


TEMA


Vivemos atualmente a era da comunicação e recebemos todos os dias informações sobre os mais diferentes pontos da Terra, que nos chegam com a rapidez e eficiência dos veículos eletrônicos do mundo contemporâneo.

sexta-feira, 10 de abril de 2009

A escolha

março 23rd, 2009 Posted in Filosofia, Igreja, Imprensa

Coluna de hoje, 23/03. Leitura obrigatória para quem quiser tomar parte no debate de forma séria (e não ao molde dos diletantes que palpitam por aqui aos montes). Chamo atenção para as referências ao iluminismo e convido à leitura do post imediatamente anterior.


TEMA DURO esse da menina estuprada em Pernambuco. O debate sobre aborto é difícil porque reúne forças sociais antagônicas. Os pró-aborto são tão duros quanto os católicos: é um diálogo de surdos. As crenças que alimentam a posição católica são nulas para os não-crentes.
Para os antiaborto, legalizar o aborto é legalizar uma forma de homicídio. Seria você menos radical se visse seu país tornar prática legítima um tipo de homicídio? Por outro lado, seria você menos radical se visse os religiosos te proibirem de se livrar de um problema (o feto) somente porque eles creem em algo que você não crê?
A violência dos pró-aborto vem da relação entre aborto e liberdade: proibir o aborto é tornar a mulher presa da mecânica reprodutiva. Sem precisar ir fundo na filosofia latente nessa posição, é evidente a negação da humanidade do feto nesse caso. O feto não seria mais do que um punhado de células.
Daí todo o infeliz debate acerca de uma definição "científica" da vida: os pró-aborto precisam se resguardar numa definição "científica" do que não seja humano (ou seja, desumanizar o feto) para não serem vistos como exterminadores de vítimas indefesas.
Do ponto de vista do Estado laico, legalizar o aborto pode ser visto apenas como um ato dentro do princípio político de tolerância, no qual o Estado "passa a bola" para o indivíduo e suas instâncias sociais: as pessoas que decidam, quem julgar "crime" não faça, quem não julgar "crime" que faça. Evidente que para os antiaborto, esse passo não é tolerante para com a vítima (o feto), que não tem voz ativa no processo. A própria ideia de crime de fato já desapareceu. De novo, seria como deixar ao assassino a decisão livre de matar ou não.
Outro fato que torna esse debate viciado é o preconceito contra a Igreja Católica, aliás, o único preconceito aceito pelos "inteligentes". Daí o desfile de expressões banais como "Inquisição", "Idade Média" ou "trevas". Puro senso comum. A igreja não é estúpida. Estúpido é quem pensa que ela o seja. Sua herança de 2.000 anos atesta a vida de uma instituição que soube atravessar séculos frequentando todas as trincheiras do mundo.
Para os pró-aborto, a máxima iluminista "O mundo só terá paz quando o último rei for enforcado nas tripas do último papa" continua sendo um princípio político. Infelizmente, grande parte dos estudos "científicos" sobre a Igreja Católica sofre do mesmo preconceito banal.
A identificação medíocre dela com mera instância de opressão vicia a reflexão, principalmente porque muitos desses estudiosos partilham da mesma máxima iluminista. Ao contrário, a igreja exerce hoje um (solitário) papel essencial como instituição que relativiza as obviedades modernas, entre elas o de nos lembrar da desumanização silenciosa do feto que opera no fundo dos argumentos pró-aborto.
Mas o caso da menina em Pernambuco tem dois agravantes: o suposto risco de vida da "mãe", uma menina de nove anos, e a violência sexual por parte do padrasto. Ambos tornam o aborto legítimo perante a lei. Aqui se agrava, aos meus olhos, o ruído de grande parte do debate. Fosse minha filha a menina de nove anos, eu não pestanejaria, faria o aborto. A ideia de ela correr risco por culpa de um canalha me levaria a fúria. Entre perder minha filha e a eliminação de dois bebês "estranhos", optaria pela eliminação dos bebês. Não usaria eufemismos. Não pediria para que me considerassem um guerreiro da luz contra as trevas nem pediria palmas. Aceitaria a culpa como parte da escolha. Fosse eu o médico envolvido no procedimento, tampouco pestanejaria. Mas não veria aí a vitória da ciência contra a religião, mas uma dura decisão num campo de batalha: qual das vítimas deve morrer?
Para além da insensibilidade do bispo e das banalidades de quem se julga um agente da luz contra as trevas, acho essencial que alguém continue repetindo, mesmo sendo enxovalhado, que em meio às agonias dos seres humanos sempre existem vítimas silenciosas. A história está cheia de exemplos de desumanização política e "científica" a serviço do extermínio. Logo existirão cientistas que gritarão em favor do uso de fetos abortados em pesquisa. Por que o desperdício?
De minha parte, repito, escolheria minha filha, sabendo que meu ato implicou a morte de seres inocentes, mas a paixão por minha filha me impediria o luxo de ter princípios. (Luiz Felipe Pondé)



http://www.gabrielferreira.com.br/index.php/luis-felipe-pond-no/
À espera da nova Lei de Imprensa


O leitor precisa saber que a lei, de 67, tem regras compatíveis com as boas normas sobre a liberdade de imprensa


É UMA PENA QUE a momentosa discussão sobre uma nova lei de imprensa -ou a dispensa dela- não tenha chegado ao fim na última quarta-feira, no STF (Supremo Tribunal Federal).O voto do ministro Carlos Ayres Britto, quando publicado, permitirá o conhecimento integral de sua sustentação, que, conforme os trechos referidos pelo noticiário (desta manhã de quinta-feira, quando a coluna é escrita) aponta no sentido da desnecessidade de tal lei.Uma das críticas que vêm sendo feitas é a de que a lei nº 5.250/67, a atual Lei de Imprensa, foi editada sob a ditadura militar, o que constituiria razão forte para ser inteiramente desconsiderada e não recebida pela Carta Magna. Não parece objeção razoável.Em 2009, a Constituição completará 21 anos. A lei nº 5.250 vem sendo aplicada desde então, sob a Carta democrática de 1988, com vantagem para o direito. Impede certos abusos das indenizações desproporcionais, como exemplo mais gritante.O leitor precisa saber que a lei nº 5.250/67 tem regras que -depois do fim dos atos institucionais- são compatíveis com as boas normas sobre a liberdade de imprensa. Defender parte de sua persistência até que nova lei seja votada é uma posição diferente daquela que reconhece o afastamento de textos ainda condenáveis, mas preserva quantos subsistem mesmo sob os artigos 5 e 220 da Carta.No tempo da ditadura, o governo dispunha de poderes absolutos para calar os meios de comunicação, mesmo em face do artigo 2º da lei, no qual se lê que: "É livre a publicação e circulação, no território nacional, de livros e de jornais e outros periódicos, salvo se clandestinos ou quando atentem contra a moral e os bons costumes". Esta última restrição acha-se, sob outra redação, no parágrafo 3º do artigo 220 e no inciso IV do artigo 221 da Carta de 88.O Supremo Tribunal Federal poderá afastar desde logo os dispositivos que arranhem a Constituição, no todo ou em parte. Não é estranho à Constituição que certos assuntos sejam objeto de regulação na lei ordinária. Os dispositivos que tolhem a liberdade continuarão suspensos até a aprovação de nova regra.Recentemente referi, nesta coluna, a posição de Judith Brito, presidente da Associação Nacional de Jornais, aceitando uma lei de conteúdos mínimos, de natureza instrumental, capaz de impedir a censura e as decisões judiciais suportadas pelo arbítrio de juízes em comarcas espalhadas pelo Brasil, contra emissoras ou jornais de caráter nacional.Sob outro ângulo, a ordem jurídica quanto aos serviços de radiodifusão vem sendo submetida a leis votadas já no regime democrático. As transformações geradas pelos meios modernos de transmissão eletrônica ou de informática podem ser acolhidos, mas outros hão de ser vedados em formas cuja natureza deve ser contida na lei.No debate a ser retomado pelo Supremo Tribunal Federal no próximo dia 15, muitos pontos estarão em aberto para rediscussão, entre os quais o da obrigatoriedade de diploma de jornalista em curso superior. O mesmo se diga da punição pelos abusos da liberdade de manifestação a serem contidos em limites de razoabilidade, pois o excesso não pode depender de vontades individuais contrastantes ou a interesses que terminem matando a liberdade desejável. (WALTER CENEVIVA)

http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff0404200902.htm
O Brasil pode ser a Suécia de amanhã?



OCTÁVIO LUIZ MOTTA FERRAZ e EMANUEL KOHLSCHEEN

Como reduzir os níveis de desigualdade de nosso país para que possamos colher os frutos que recompensam sociedades mais igualitárias?

MESMO QUEM não acredita que a redução das desigualdades socioeconômicas seja uma exigência de justiça social, conforme estampado na Constituição brasileira, tem razões de sobra para desejá-la ao menos instrumentalmente, isto é, como política pública comprovadamente eficiente no combate a várias mazelas sociais. Países menos desiguais ostentam em regra índices menores de criminalidade, melhores níveis de saúde pública, maior confiança e solidariedade entre as pessoas e maiores perspectivas de desenvolvimento sustentado. Essa relação, bastante intuitiva, vem sendo confirmada em diversos estudos empíricos analisados e divulgados em recentes relatórios de instituições internacionais (ver, como exemplo, o Relatório sobre o Desenvolvimento Mundial de 2006: Equidade e Desenvolvimento, do Banco Mundial).A mensagem desses estudos é bastante clara. Ainda que não se acredite no valor moral intrínseco da igualdade, é melhor para todos viver numa sociedade mais igualitária. Mesmo nos países desenvolvidos, em regra muito menos desiguais que o resto do mundo, é possível verificar o fenômeno das patologias da desigualdade, como bem as denominou o filósofo político Brian Barry, da Universidade Columbia (EUA). Para citar apenas alguns dados, americanos e britânicos, apesar de viverem em dois dos países mais ricos do mundo, ocupam, respectivamente, a 36ª e a 46ª posições no ranking mundial de expectativa de vida, segundo dados do próprio governo americano ("CIA Factbook", 2008). Os EUA são também o país desenvolvido com a maior taxa de homicídios, quase dez vezes superior à média da Europa (Banco Mundial, 2002). A maior desigualdade das sociedades britânica e americana é apontada como fator contributivo importante dessas discrepâncias em relação aos demais países desenvolvidos. O Brasil, apesar da recente queda de desigualdade registrada por órgãos de pesquisa (Ipea, IBGE), continua a ser um dos países mais desiguais do mundo e a sofrer, consequentemente, das patologias da desigualdade. Como, porém, reduzir mais rápida e significativamente os níveis de desigualdade de nosso país para que possamos colher os frutos que recompensam sociedades mais igualitárias? Numa economia capitalista, o principal mecanismo de equalização é necessariamente a redistribuição, pelo Estado, das riquezas originariamente distribuídas de maneira desigual pelo mercado. E o mecanismo mais eficiente para isso é a combinação de impostos progressivos com investimentos sociais generosos nas áreas da educação e saúde públicas e nas redes de proteção social, como o seguro-desemprego (as políticas do chamado Estado de bem-estar social). Nada muito diferente, portanto, do que fizeram a Suécia e outros países que resistiram melhor à onda neoliberal nascida nos EUA e na Grã-Bretanha, hoje totalmente desacreditada pela grave crise financeira mundial. Assolada por níveis espantadores de pobreza no século 19, a Suécia investiu pesadamente na infraestrutura social e, principalmente, na educação dos seus cidadãos, o que continua até hoje, ancorando a competitividade do país na economia globalizada. Investimentos em pesquisa e desenvolvimento acima de 3% do PIB resultam na maior taxa mundial de registro de patentes de novos produtos per capita.A Suécia figura hoje entre os países mais ricos do mundo. É evidente que a manutenção dessas políticas tem custos que só podem ser financiados pela adoção de impostos progressivos -o outro lado da moeda. O Imposto de Renda na Suécia chega a quase 60% para os mais ricos, enquanto no Reino Unido chega a 40%, nos EUA, a 35%, e no Brasil, a 27,5%. Cidadãos e políticos suecos entendem que esse é o preço justificado da manutenção de uma sociedade desenvolvida, segura e saudável. Resta, então, responder à pergunta do título deste artigo: poderia o Brasil se transformar em um país tão igualitário como a Suécia e colher os claros benefícios dessa opção política? O último relatório da OCDE sobre a economia da América Latina traz um dado que talvez surpreenda a muitos: as desigualdades da Suécia não são tão diferentes assim das do Brasil quando analisadas pré-atuação estatal, ou seja, pela mera alocação do mercado. Implementar as políticas fiscais e sociais necessárias para nos transformarmos num país mais igualitário é, portanto, uma questão de vontade política. Parafraseando o novo presidente americano, a resposta é: "Sim, podemos!". OCTÁVIO LUIZ MOTTA FERRAZ, 37, mestre em direito pela USP e doutor em direito pela Universidade de Londres, é professor de direito da Universidade de Warwick (Reino Unido). Foi assessor sênior de pesquisa do relator especial da ONU para o direito à saúde (2006). EMANUEL KOHLSCHEEN, 35, doutor em economia pela Universidade de Estocolmo (Suécia), é professor de economia da Universidade de Warwick (Reino Unido).
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br


http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz0904200908.htm
LUIZ FELIPE PONDÉ

A dúvida


O padre legal pode ser um pedófilo. Poderia existir amor ali onde existe pedofilia?



O FILME a "Dúvida", de John Patrick Shanley, debate uma das questões mais dramáticas da atualidade, a pedofilia. Não se trata, apenas, de um filme sobre os dramas internos a uma igreja católica em processo de modernização em meio ao Concílio Vaticano II. Trata-se sim de um dilacerante debate acerca das rotinas de nosso pensamento moral, que muitas vezes beiram o puro sonambulismo. Os personagens são um padre doce e pra frente, Philip Seymour Hoffman, a diretora e madre superiora antipática e careta, Meryl Streep, um triste aluno negro (estopim da trama), sua mãe e uma jovem freira ingênua. Estamos nos anos 60 -esse mito de revolução que fez das maiores utopias da modernidade um problema de quem transa com quem e quem fuma o que na era de aquários.Os anos 60, que inventaram bobagens como a figura do "jovem" como agente natural do "avanço", estão representados na trama pela tensão entre o padre legal e a freira opressora. Diga-se de passagem, os tipos funcionam: o padre é alguém que inspira esperança e amor pela humanidade, a madre superiora é mesmo alguém que não temos vontade de dar um bom dia no corredor.Tudo começa com as suspeitas da jovem freira de que algo esteja ocorrendo entre o padre legal e o menino negro -primeiro e único negro da escola. Uma série de eventos nos leva a uma cascata de dúvidas.A freira neurótica assume como verdade que o padre mente. Numa armadilha (jogando verde sobre uma suposta transgressão dele na escola anterior de onde saiu "misteriosamente", e colhendo a certeza acerca da vergonha desse "mistério"), a freira dá o xeque-mate, e o padre se demite. Entretanto, não teremos nenhuma prova de que tenha ocorrido algo entre ele e o menino negro.Sim, o padre legal pode ser um pedófilo. Poderia existir amor ali onde existe pedofilia? Perguntas assim apontam para um dos nossos piores pesadelos. As coisas pioram quando a mãe deixa claro para a feia madre superiora que sabe que o filho tem "uma natureza tal", e que se o padre gosta dele e o está ajudando, e se ele (seu filho) se sente bem com isso, que ela não atrapalhe as chances que seu filho negro tem de ter um diploma de uma escola que abrirá portas em seu futuro. Por que não aproveitar um amor útil? Quantas vezes amor e interesse se misturam numa forma de limites invisíveis?Quem combate a pedofilia no filme é aquele tipo de pessoa que os preconceituosos de plantão chamariam "a repressora", e não uma ONG de direitos humanos, esta, provavelmente, contrataria qualquer padre legal para rezar missas com rock and roll. Cabe a louca, a nojenta e mal amada fazer o papel da ética.Difícil esse mundo de adultos, não? Numa das cenas mais bonitas do filme, quando conversa com a jovem freira romântica, o padre amoroso e sincero afirma que o mal da madre superiora é optar pela virtude em detrimento do amor ("kindness", nas palavras do padre). Pergunta ele: não é nossa missão acolher e gerar amor no mundo?A freira feia é incapaz de imaginar que ele ame o menino sem maldade porque ela não ama ninguém. O amor é quase sempre improvável. O excesso de retidão moral nela a torna cega para a beleza improvável. O excesso de amor, por outro lado, nos lançaria num caos de amor? Lennon estava errado? "All you need is love" seria mais um clichê dos anos 60?Sendo ela feia, vê a monstruosidade em toda parte, e por isso a enxerga onde outros são enganados pela beleza imunda, assim como gatos facilmente acham ratos pela própria natureza que possuem -analogia "citada pelo roteirista" numa maravilhosa cena na qual a freira afirma "saber reconhecer" gente como o padre.É claro que o filme não está fazendo uma ode à "pedofilia com amor". Não se apressem almas superficiais, ansiosas por "escândalos de plantão". Voltem ao sono dogmático de suas tumbas. É justamente porque a pedofilia é um pesadelo que o filme é grandioso. Poderá haver, às vezes, um conflito entre o amor e a virtude? Em qual dos dois apostar? Nas palavras da horrorosa madre superiora: "às vezes nos afastamos de Deus (amor) para melhor servi-lo".É porque o padre é sincero em sua vocação para amar que a trama sai do banal. É porque a madre superiora é alguém aparentemente desprovida de amor, mas que realiza o que entendemos como ético no caso, que estamos diante de uma grande obra.Pode o amor ser uma face do mal? Mas, tampouco, seria a face da ética sempre bela?


http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrad/fq0604200915.htm
Brasil não é nem vira-lata nem rottweiler


País não depende de afago de Obama ou de quem quer que seja para se sentir importante, mas também não tem a vocação de ferocidade indispensável para comandar a matilha


Manifestantes com máscaras de Obama e de Lula durante protesto na Indonésia contra a reunião do G20, realizada em Londres CLÓVIS ROSSIENVIADO ESPECIAL A LONDRES Se estivesse vivo, Nélson Rodrigues babaria de ódio ao ver que o complexo de vira-lata que ele atribuía aos brasileiros saiu em bloco aos salões depois que o presidente Barack Obama saudou Luiz Inácio Lula da Silva como "my man" e o apontou como o presidente mais popular do mundo. O tratamento dado ao episódio por uma parte da mídia passa a impressão de que Lula só se tornou popular porque Obama disse que Lula é popular -e os microfones da BBC pegaram. Mais fantástica é a ideia de que Obama ungiu, com o gesto, o novo líder global, na figura de Lula. O próprio Lula, na entrevista coletiva que concedeu horas depois do episódio, pôs as coisas no seu devido e correto contexto: 1) Foi uma "brincadeira", brincadeira facilitada pelo fato de que Lula "trata as pessoas muito bem" e vê os presidentes como "companheiros" tanto ou mais do que como presidentes. É fato. Lula é cordial com todos, de direita e de esquerda, ricos e pobres, a ponto de ter conseguido a proeza de ser chamado de "meu amigo" por George Walker Bush e de "my man" por seu antípoda Barack Obama. 2) Essa história de liderança é "uma bobagem teórica", sempre segundo Lula, para quem "todos [os países] querem ser líderes e ninguém passa o bastão para ninguém". Bingo. Contexto explicado diretamente pelo personagem central da história, convém deixar claro que Lula é, sim, uma personalidade mundial, uma espécie de pop star, antes e acima de tudo por sua história de vida. De alguma forma, é até melhor que a de Obama, cuja eleição causou tanta excitação no planeta. Afinal, Obama tem diploma universitário -e de universidade de grife-, exigência não escrita para ser presidente em qualquer lugar do mundo. Lula não tem, mas seu governo não passa vergonha diante dos doutores que o antecederam (aliás, escrevi algo parecido muito antes de Lula se eleger ou de ter chances reais de ganhar). O prestígio de Lula se deve também a ter se convertido ao credo hegemônico no planeta. Só é aceito nos salões do homem branco e de olhos azuis porque assina textos como o do G20 que diz: "A única base segura para uma globalização sustentável e crescente prosperidade para todos é uma economia aberta baseada em princípios de mercado, regulação efetiva e instituições globais fortes". O venezuelano Hugo Chávez não assinaria algo parecido. Não é convidado para os salões que Lula frequenta, mas Lula é convidado para os salões que Chávez frequenta porque não tem preconceitos ideológicos. Nem cria caso. Popularidade e aceitação não se confundem, no entanto, com liderança. Para ficar apenas no âmbito do G20, o próprio Lula disse que, em seu discurso aos "companheiros" presidentes, apenas pedira que os países ricos resolvessem a sua crise. Não ofereceu, portanto, nenhuma luz, não abriu caminhos que os outros devessem seguir, como fazem os líderes. Mesmo o Barack Obama que o tratou como "my man", no exercício de humildade que foi a sua entrevista coletiva após a cúpula do G20, não citou o Brasil entre as potências que estão surgindo ou se consolidando. Mas citou a Europa, a China e a Índia. Nem é culpa de Lula, no caso. É culpa do país que ele representa, ainda pobre, além de profundamente desigual. O Brasil é o quinto mais pobre do G20, à frente apenas de China, Índia, Indonésia e África do Sul. Não quer dizer, no entanto, que o papel do Brasil seja irrelevante ou secundário. Ao contrário, foi ativíssimo, ainda mais pela coincidência de ter sido o presidente de turno do G20 até o ano passado. Por isso, os grupos de trabalho criados após a cúpula de Washington para preparar a de Londres foram comandados pela "troika": os co-presidentes eram um brasileiro, um sul-coreano, que terá a presidência no ano que vem, e um britânico, que preside o conglomerado em 2009. Posições brasileirasDe modo geral, aliás, as posições brasileiras acabaram contempladas no texto final: mais regulação/supervisão, enfrentamento dos paraísos fiscais, mais recursos para o FMI -todas essas eram posições brasileiras. Mas foram também empurradas por grandes potências (França e Alemanha, em especial, no caso da regulação e dos paraísos fiscais). Nem entre os Brics (Brasil, Rússia, Índia e China, as potências mundiais até 2050, segundo uma empresa de investimentos) o Brasil consegue impor posições. Na véspera da reunião de ministros da Fazenda e presidentes de bancos centrais do G20, há três semanas, o ministro Guido Mantega defendeu, em encontro dos Brics, que o grupo deveria apoiar a estatização dos bancos. A tese foi derrotada e não apareceu nem no documento dos Brics nem nos textos finais dos ministros nem dos chefes de governo. Tudo somado, fica claro que o Brasil não é mais vira-lata e, portanto, não depende de um afago de Obama ou de quem quer que seja para se sentir importante, mas também não é um rottweiler -nem tem a vocação de ferocidade indispensável para comandar a matilha.



CLÓVIS ROSSI , colunista da Folha , cobre viagens presidenciais ao exterior desde que o general Ernesto Geisel visitou França e Inglaterra em 1976, há 33 anos, portanto.

http://www1.folha.uol.com.br/fsp/dinheiro/fi0404200921.htm
Prova sobre ambiente reprova 1/3 dos alunos



Exame feito em 57 países colocou Brasil na 54ª posição; 37% dos alunos apresentaram conhecimento mínimo sobre questões ambientais Jovens têm de estar preparados para lidar com o tema, diz relatório; para docente, país precisa investir em formação de professores ANTÔNIO GOISDA SUCURSAL DO RIO Mais de um terço dos alunos brasileiros têm nível mínimo de conhecimento sobre questões ambientais. Entre 57 nações comparadas, só três (Catar, Quirguistão e Azerbaijão) obtiveram resultados piores.Essas são as conclusões de um estudo divulgado na última terça-feira pela OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), que, de três em três anos, organiza o Pisa, exame internacional que compara o desempenho de jovens de 15 anos em leitura, matemática e ciências.O último exame, aplicado em 2006, teve como foco principal o aprendizado de ciências. O estudo mais recente selecionou, dessa prova, apenas as questões relacionadas à preservação do ambiente, como consequências do aquecimento global, poluição, fontes de energia alternativas, entre outras.No Brasil, 37% dos estudantes ficaram abaixo do nível mais baixo de conhecimento sobre essas questões e apenas 5% ficaram na escala máxima.A Finlândia, país com melhor desempenho, teve 6% dos estudantes abaixo do menor nível e 25% no maior.A média dos países da OCDE (entidade que reúne principalmente as nações desenvolvidas da Europa, América do Norte e Ásia) é de 16% dos estudantes abaixo do menor nível da escala e 19% no topo.O estudo destaca a importância de preparar os jovens em conhecimentos para lidar com os desafios ambientais.Uma constatação positiva do trabalho é que a maioria dos estudantes em quase todos os países e níveis de renda, inclusive no Brasil, se mostraram preocupados e conscientes de que é preciso agir.Para 97% dos jovens brasileiros, por exemplo, a poluição do ar é um tema que exige séria preocupação da sociedade. Só 21% deles se mostraram otimistas com relação à possibilidade de melhoria nos próximos 20 anos, caso nada seja feito.O desafio, diz o relatório, é dar aos alunos conhecimentos e habilidades para entenderem melhor as questões ambientais.Um exemplo citado pela OCDE é o fato de que mais de 90% dos alunos que fizeram o exame em 2006 disseram estar familiarizados com o tema da poluição do ar. No entanto, numa questão sobre a chuva ácida, quando questionados a citar uma fonte de poluição -como emissões de gases por carros ou fábricas- metade não foi capaz de dar uma resposta correta.Para Marta Feijó Barroso, professora do Instituto de Física da UFRJ e autora de estudos sobre o ensino de ciências no Brasil, é preciso investir mais na formação de professores, que, disse, é um das principais características dos países bem avaliados, como a Finlândia."Os estudantes falam muito sobre ambiente, mas sabem pouco a respeito. Para isso, é fundamental preparar melhor os professores. Malformado e sem segurança para trabalhar questões complexas e que envolvem o conhecimento interdisciplinar, a tendência é esse profissional adotar a lei do menor esforço e priorizar o discurso político, sem se aprofundar no conhecimento", disse.Para ela, sem isso, de pouco adiantará introduzir questões no currículo ou cobrar dos professores melhores resultados em avaliações externas.Na última versão do exame, de 2006, os estudantes brasileiros ficaram nas últimas colocações nos rankings de ciências, leitura e matemática.
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff0404200926.htm
JOÃO PEREIRA COUTINHOO


ABC da Aids
O problema da visão do Vaticano é imaginar que o mundo é composto por anjos, e não por homens



TENHO UMA amiga que não gosta do atual papa. Razões? Ela responde: "Acho que ele é demasiado católico". A primeira vez que ouvi a tese, chorei de rir. Mas chorei com respeito. A tese expressa, com rigor e humor, o espírito do tempo sempre que o papa resolve ser papa. Mas, antes, vamos ao essencial: se eu fizesse uma viagem pela África, onde existem 22 milhões de infectados com o vírus da Aids (no mínimo), não teria dúvidas em aconselhar o uso da camisinha. Mais: hipocondríaco como sou, o mais natural era aconselhar o uso de várias camisinhas ao mesmo tempo, e ainda de uma roupa de mergulho, e de um escafandro, e de uma rede de apicultor. Eu nunca facilito. Acontece que, ao contrário do que possam imaginar, eu não sou o papa. E o papa, a caminho do continente negro, limitou-se a repetir o que toda a gente sabe mas finge que não ouve: que a Igreja Católica, com total legitimidade, tem uma particular doutrina sobre a sexualidade humana, onde a abstinência (antes do casamento) e a fidelidade (depois do casamento) constituem-se como valores centrais. Centrais e absolutamente lógicos. Não é preciso ser católico para comprovar a eficácia do método. Basta usar a cabeça, caso exista uma: se os seres humanos fossem capazes de trilhar a visão de perfeição proposta pelo papa, a possibilidade de contágio seria nula, ou quase. Acusar o papa de espalhar a Aids na África não é apenas insulto grosseiro; é irracionalismo grosseiro. Se as pessoas seguissem a doutrina da Igreja em matéria sexual, não haveria Aids no mundo. Só que os seres humanos, ao contrário do que pensa Ratzinger, não são perfeitos em suas condutas privadas. E o problema da visão do Vaticano sobre a sexualidade humana é imaginar que o mundo é composto por anjos, e não por homens. Uma lamentável falácia. Isso significa que o papa está absolutamente errado quando defende na África a doutrina católica em matéria sexual? Os profissionais da indignação, que espumaram ódio nos últimos dias, não têm dúvidas: o papa é um genocida/criminoso/irresponsável (riscar o que não interessa) ao "proibir" o preservativo na África. Infelizmente, os profissionais da indignação deveriam saber que o papa não proíbe, no sentido policial do termo, coisa nenhuma: ele fala para quem o ouve; e quem o ouve decide o que fazer com inteira liberdade pessoal. Além disso, os profissionais da indignação deveriam suspender os seus próprios dogmas e, olhando para a África, aprender alguma coisa. Sobretudo com os casos de maior sucesso no combate à Aids: em Uganda, na Etiópia, no Malawi, mesmo no Quênia. Fato: os casos de sucesso mostram que o uso de preservativo teve um papel fundamental na diminuição da epidemia. Mas esses casos de sucesso mostram também que a luta contra a Aids não se limitou ao uso alargado do preservativo. Como relembra qualquer especialista no assunto, vencer o flagelo no continente pressupõe um respeito e uma promoção do conhecido "ABC" da Aids na África: "A" de "abstinence" (abstinência); "B" de "be faithful" (fidelidade); e, finalmente, "C" de "condoms" (preservativos). Por outras palavras: sem a redução do número de parceiros; sem uma maior fidelidade dentro do matrimônio; mas também sem uma responsável educação sexual entre os mais jovens, o simples uso do preservativo não resolve a mortandade. Pelo contrário: os países africanos que acreditaram no preservativo como resposta única e milagrosa para o problema da Aids (é o caso trágico de Botsuana), viram aumentar o número de infectados. Paradoxal? Nem por isso: numa cultura, como a africana, que simplesmente não usa os preservativos disponíveis; ou então usa-os mal; ou, pior, usa de forma irregular, acreditando numa espécie de "compensação de risco" (palavras da ONU) que permite multiplicar o número de parceiros pelo uso intermitente de proteção, o preservativo cria uma ilusão de segurança que não é compensada por uma alteração responsável dos comportamentos. O papa está errado quando exclui o preservativo de qualquer estratégia de combate à Aids. O papa erra, no fundo, quando apaga a letra "C" do abecedário básico da luta contra a epidemia. Mas o papa não erra quando fala das letras "A" e "B". Tudo ao contrário dos profissionais da praxe, que sobre a matéria só conhecem a letra "I". De "indignação", sim. Mas, sobretudo, de "ignorância". jpcoutinho@folha.com.br