quarta-feira, 18 de agosto de 2010

DIREITOS HUMANOS - LEITURAS RECOMENDADAS

1ª Leitura

Lula recua e dá mais fôlego à ofensiva da direita

José Arbex

A divulgação da terceira edição do Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH), assinado pelo presidente Luís Inácio Lula da Silva no final de dezembro, provocou uma imensa gritaria da direita. Dos militares saudosos de 1964 até os jornalistas financiados pelo capital, passando pela CNBB e por ministros do próprio governo (incluindo Nelson Jobim, da Defesa e Reinhold Stephanes, da Agricultura) todos qualificaram o plano como “monstruoso”, “revanchista”, “autoritário”. Depois de um festival de ameaças e chantagens, Lula recuou, cedeu à direita. O plano revisado, anunciado pelo Planalto no dia 13, substitui a caracterização de “crimes cometidos pela repressão política” (durante o regime de 1964) pela expressão genérica “violações de direitos humanos”. A nova formulação, típica do governo Lula, deixa aberto o campo para a pizza, por satisfazer tanto aos que querem punir os torturadores da ditadura quanto aos que acusam a esquerda de ter cometido atos terroristas, como se os dois lados pudessem ser equiparados. Em síntese, a batalha em torno do plano explicita, por um lado, a ferocidade de uma direita saudosa de 1964 e, por outro, as oscilações de um governo incapaz de enterrar definitivamente o entulho autoritário que ronda e ameaça as combalidas instituições democráticas nacionais.

É óbvio que a ofensiva da direita tem como endereço as eleições de 2010. Também é óbvio que a ofensiva não começou agora. Ela ficou bem evidente com o famoso editorial da Folha de S. Paulo que qualificava como “branda” a ditadura militar, e depois com as calúnias assacadas pela mesma Folha contra Dilma Roussef, atual chefe da Casa Civil e a “candidata de Lula” em 2010. Todos os ataques ao plano, amplamente reverberados pela mídia, “esquecem” de mencionar o singelo fato de que ele foi o resultado de pelo menos 50 conferências públicas realizadas em todo o país, envolvendo a participação de algo como 15 mil pessoas. Não por acaso, aliás, algumas das organizações da mídia que mais atacaram o plano (incluindo a Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão - Abert e Associação Nacional de Jornais - ANJ) foram as mesmas que se ausentaram da recente Conferência Nacional de Comunicação, cujo objetivo central era estabelecer regras democráticas e impor limites ao monopólio praticado no Brasil. Também “esquecem” que o plano prevê a elaboração de leis que devem ser submetidas ao Congresso. Não se trata, portanto, de nenhuma “imposição ditatorial”.

Mas não há como resumir a ofensiva da direita a uma simples estratégia eleitoral. Há muito mais em jogo. Trata-se de uma disputa para saber quem controla a memória histórica nacional, assim como as relações que devem ser estabelecidas entre o Estado e a “sociedade civil”, tanto no que se refere ao regime da propriedade privada quanto à demarcação clara das fronteiras entre as esferas pública e privada. Num país em que o Estado e a esfera pública sempre foram tratados como posse de um grupo de escravistas (ou, na versão contemporânea, de empresários como Daniel Dantas, devidamente blindado pelos donos do sistema judiciário), qualquer tentativa de regulamentar as relações entre Estado e sociedade é percebida como ameaça. A Igreja Católica, historicamente encarregada de abençoar o patrimonialismo, dele vivendo como parasita, tampouco pode suportar um plano que, talvez pela primeira vez na história do Brasil, pretende eliminar dos lugares públicos a ostentação de símbolos religiosos.

Uma breve listagem dos setores que mais espernea¬ram e o resumo de seus motivos são suficientes para esclarecer tudo:

Militares - Rejeitam a Criação da Comissão Na¬cional da Verdade, responsável por apurar crimes du¬rante o regime militar (1964-1985), a divulgação da estrutura dos porões empregada na prática sistemáti¬ca de torturas e a criação de uma legislação que proíbe homenagens em locais públicos a pessoas que tenham praticado crimes de lesa-humanidade. E execram qual¬quer tentativa de revisão da Lei de Anistia de 1979.

Igreja Católica - Veta o apoio a iniciativas que proponham a descriminalização do aborto e da união civil entre pessoas do mesmo sexo, da garan¬tia do direito de adoção por casais homoafetivos e da proibição à ostentação de símbolos religiosos em lo¬cais públicos.

Agronegócio - Qualifica como "estímulo a inva¬sões" a proposta de mudança nas regras de cumprimento de mandados de reintegração de posse em invasões agrá¬rias, dando prioridade ao diálogo como forma de evitar o conflito, bem como a exigência de que haja realização de audiências públicas antes de um juiz decidir sobre conces¬são de liminar para reintegração de posse.

Mídia - Os "barões" da comunicação rejeitam proposta de mudança da regra constitucional sobre re-novação e outorga de serviços de radiodifusão (rádio e TV) com base em marco legal que respeite os direitos humanos. Tampouco toleram a instituição de critérios de acompanhamento editorial, com o objetivo de de-tectar os veículos que defendem e os que violam os di¬reitos humanos.

Vários setores - O plano prevê, ainda, en¬tre outras providências, a regulamentação da taxação de grandes fortunas, a fiscalização da rotulagem de ali¬mentos transgênicos (estabelecida em lei, mas jamais praticada), fiscalização e controle sobre o impacto de biotecnologia, reformulação da Lei de Execução Penal e a revisão das regras dos planos de saúde. Em cínica inversão de valores, os críticos do plano qualificam-no como "antidemocrático". Qualquer ser dotado de pelo menos dois neurônios saudáveis per¬cebe que é o oposto: o plano, pelo menos em sua ver¬são original, buscava acertaras contas com um passado de quinhentos anos de escravidão, autoritarismo, obscurantismo religioso e preconceitos. Ao assinar o pla¬no, em dezembro, Lula abriu a possibilidade de o Brasil abandonar sua roupagem feudal e ingressar no mundo contemporâneo; ao recuar, em janeiro, deu nova vida e brilho à espada que as viúvas de 1964 - às quais ago¬ra se soma o ex-presidente Fernando Henrique Cardo¬so - mantêm sobre o pescoço da república tupiniquim.

Para aqueles que acreditam que golpes estão "fora de moda", basta mencionar o exemplo recente e ainda em curso em Honduras, ou as tentativas fracas¬sadas na Venezuela (2002) e Bolívia (2008). Não, nin-guém está dizendo que, em breve, uma coluna de mi¬litares babões tomará o Planalto de assalto. O golpe é bem mais sutil do que isso: ele aglutina setores que "fa¬zem a cabeça" (incluindo integrantes da mídia, da Igre¬ja, da OAB etc.) e o capital financeiro, industrial e agrá¬rio para brecar o avanço democrático. O recuo de Lula já é uma óbvia demonstração de sua eficácia. A ofen¬siva atual é uma pequena amostra do que se prepara nos próximos meses. Se Lula quisesse preservar o pouco de democracia que há no país, deveria eliminar aque¬les que, dentro de seu governo, representam os interesses dos golpistas. Mas o presidente se mostra incapaz de fazer isso. Deveria se lembrar do trágico destino de Salvador Allende. (Caros amigos. Fevereiro de 2010)


2ª Leitura

"Programa Nacional de Direitos Humanos: efetivar direitos e combater desigualdades", de Alexandre Ciconello, Luciana Pivato e Darci Frigo.
In: http://portal.mj.gov.br/sedh/biblioteca/revista_dh/dh4.pdf

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