sábado, 26 de fevereiro de 2011

IDEOLOGIA

1. O que é ideologia?

Introdução conceitual

Há vários sentidos para a palavra ideologia. Em sentido amplo, é o conjunto de idéias, concepções ou opiniões sobre algum ponto sujeito a discussão.
Quando perguntamos qual é a ideologia de um determinado pensador, podemos estar nos referindo à sua doutrina, ao corpo sistemático de suas idéias e ao seu posicionamento interpretativo diante de determinados fatos.
Podemos ainda estar nos referindo à teoria, como organização sistemática dos conhecimentos destinados a orientar a prática, a ação efetiva. Nesse sentido, já ouvimos a expressão "atestado ideológico", que é a declaração exigida a um indivíduo sobre sua filiação partidária e idéias que orientam sua ação política. No Brasil, por exemplo, durante o recrudescimento do poder autoritário, órgãos como o DEOPS (Departamento Estadual de Ordem Política e Social) exigiam em certas circunstâncias que as pessoas apresentassem atestados desse tipo, a fim de controlar a adesão às ideologias marxistas, consideradas perigosas à segurança nacional.
Em sentido pejorativo, ideologia é o conjunto de idéias e concepções sem fundamento, mera análise ou discussão oca de idéias abstratas que não correspondem a fatos reais.
Há outros sentidos mais específicos, elaborados por autores como Destutt de Tracy, Comte, Durkheim.
Aqui, no entanto, não usaremos o conceito de ideologia em nenhum desses sentidos. Vejamos então.
"A ideologia é um conjunto lógico, sistemático e coerente de representações (idéias e valores) e de normas ou regras (de conduta) que indicam e prescrevem aos membros da sociedade o que devem pensar e como devem pensar, o que devem valorizar e como devem valorizar, o que devem sentir e como devem sentir, o que devem fazer e como devem fazer. Ela é, portanto, um corpo explicativo (representações) e prático (normas, regras, preceitos) de caráter prescritivo, normativo, regulador, cuja função é dar aos membros de uma sociedade dividida em classes uma explicação racional para as diferenças sociais, políticas e culturais, sem jamais atribuir tais diferenças à divisão da sociedade em classes, a partir das divisões na esfera da produção. Pelo contrário, a função da ideologia é a de apagar as diferenças como de classes e de fornecer aos membros da sociedade o sentimento da identidade social, encontrando certos referenciais identificadores de todos e para todos como, por exemplo, a Humanidade, a Liberdade, a Igualdade, a Nação, ou o Estado."'2 (2. Marilena Chaui, O que é ideologia, p. 113). Fundamentalmente, a ideologia é um corpo sistemático de representações e de normas que nos "ensinam" a conhecer e a agir.
A ideologia tem como função assegurar uma determinada relação dos homens entre si e com suas condições de existência, adaptando os indivíduos às tarefas prefixadas pela sociedade. Portanto, a ideologia assegura a coesão dos homens e a aceitação sem críticas das tarefas mais penosas e pouco recompensadoras, em nome da "vontade de Deus" ou do "dever moral" ou simplesmente como decorrente da "ordem natural das coisas".
É interessante observar que não se trata de uma "mentira" que os indivíduos da classe dominante "inventam" para subjugar a classe dominada. Também eles sofrem a influência da ideologia, o que lhes permite exercer como natural sua dominação, aceitando como universais os valores específicos de sua classe. Os missionários que acompanhavam os colonizadores às terras conquistadas, certamente não percebiam o caráter ideológico da sua ação ao querer implantar uma religião e uma moral estranhas ao do povo dominado.
Essa universalidade das idéias e dos valores é abstrata porque na realidade concreta o que há são classes particulares com interesses divergentes, e a ideologia de uma "sociedade harmoniosa e una" oculta a divisão de classes. Portanto, a universalização e a abstração supõem uma lacuna ou o ocultamento de alguma coisa que não pode ser explicitada sob pena de desmascaramento da ideologia. Isto é, sob o aparecer da ideologia existe uma realidade concreta que precisa ser descoberta pela análise da gênese do processo, ou seja, pela verificação de como a realidade foi produzida.
Por exemplo, quando se diz que "o trabalho dignifica o homem", estamos diante de um conceito ideológico, na medida em que se trata: de uma abstração, já que o trabalho se apresenta como uma "idéia de trabalho", e a análise da situação concreta e particular da realidade histórico-social em que os operários realizam seu trabalho mostra exatamente o contrário: o embrutecimento e reificação ("coisificação") do homem, e não a sua dignidade. de uma lacuna, pois, analisando a gênese do trabalho assalariado, descobrimos a mais-valia e, portanto, o componente que leva à alienação do homem e à diferença de condição de vida das pessoas na "comunidade".
Outro exemplo: "A educação é um direito de todos" (e até um dever, já que há obrigatoriedade legal de se completar o curso primário). Essa afirmação é abstrata e lacunar, pois apresenta como universal um valor que beneficia apenas uma classe. Quando observamos as estatísticas que mostram a evasão e o baixo Índice de freqüência escolar por parte das classes desfavorecidas são comuns as "explicações" em função das dificuldades de adaptação. do mercado de trabalho e até do desinteresse ou preguiça. O que está oculto aí é que na sociedade de classes há uma contradição entre os que produzem a riqueza material e cultural com seu trabalho e os que usufruem essas riquezas, excluindo delas os produtores. Assim, a educação é um dos bens a serem usufruídos pelos componentes da classe dominante. A educação aparece como um direito de todos, mas, analisando a gênese da produção e usufruto dos bens, descobre-se que de fato a educação está restrita a uma classe.
Além disso, a ideologia mostra uma realidade invertida, ou seja, o que seria a origem da realidade é posto como produto e vice-versa. Por exemplo, a ideologia burguesa afirma que existem nos homens diferenças individuais e que estas determinam a desigualdade social: a desigualdade natural seria a causa da desigualdade social. Ora, a sociedade é na verdade resultado da práxis, e as desigualdades sociais estabelecidas pela divisão do trabalho e pelas relações de produção é que determinam (são causas) as desigualdades individuais. Não estamos querendo desconsiderar as diferenças que de fato existem entre os indivíduos, como interesses, aptidões, inteligência. Mas, grosso modo, a atividade a que cada um se submete aparece como decorrente da competência e não como resultado da divisão de classes (lembremos ainda que a própria divisão de classes não deve ser vista como um "dado" inicial, mas como o resultado da práxis).
Mais um exemplo: se um filho de operário não melhora o padrão de vida, isto é explicado como resultado da sua incompetência, falta de força de vontade ou disciplina de trabalho, quando na realidade ele joga um "jogo de cartas marcadas", e suas chances de melhorar não dependem dele, mas da classe que detém os meios de produção.
Outra inversão própria da ideologia é a maneira pela qual se estabelecem as relações entre teoria e prática, colocando a teoria como superior à prática, porque a antecede e "ilumina". As idéias tornam-se autônomas e causa da ação humana (e não o contrário).
Essa divisão hierárquica entre o pensar e o agir se encontra também na dicotomia da sociedade em um segmento que se dedica ao trabalho intelectual e outro, ao trabalho manual. Uma classe "sabe pensar"; a outra "não sabe pensar" e só executa. Portanto, uma decide, porque sabe, e a outra obedece.


O que caracteriza o discurso não ideológico?


Se o discurso ideológico é abstrato e lacunar, faz uma análise invertida da realidade e separa o pensar e o agir, o discurso não ideológico será aquele que visa o preenchimento das lacunas pela procura da gênese do processo. Isso não significa que se deva contrapor ao discurso lacunar um discurso "pleno", mas a elaboração de uma crítica, de um contradiscurso que revele a contradição interna do discurso ideológico e que o faça explodir. É esse o papel da teoria, que não se confunde com o· papel da ideologia, pois a teoria está encarregada de desvendar os processos reais e históricos que originam a dominação de uma classe sobre outra, enquanto a ideologia visa exatamente o contrário, ou seja, a dissimulação dessa diferença.
Além disso, a teoria estabelece uma relação dialética com a prática, ou seja, uma relação de reciprocidade e simultaneidade, e não uma relação hierárquica, como no discurso ideológico.
Explicando melhor: a práxis é justamente a relação indissolúvel teoria-prática, de modo que não há agir humano que não tenha sido antecedido por um projeto, da mesma forma que a teoria não é algo que se produza independentemente da prática, pois o seu fundamento é a própria prática. Nós conhecemos as coisas na medida em que as produzimos, daí toda teoria ser lacunar, sem o "vai e vem" entre o fato e o pensado.
Ora, o saber que decorre da produção é um saber instituinte e, nesse sentido, é "vivo", móvel, com toda a força do processo de se fazer. O saber ideológico é o saber instituído, petrificado, esclerosado, morto.
Não é simples, no entanto, o trabalho de desvelamento do real, pois a ideologia penetra em setores insuspeitáveis: na educação familiar e escolar, nos meios de comunicação de massa, nos hospitais psiquiátricos, nas prisões, nas indústrias, impedindo de todas as formas a flexibilidade entre o pensar e o agir e, ao contrário, determinando a repetição de fórmulas prontas e acabadas.
Por isso, é importante o papel da filosofia como crítica da ideologia, rompendo as estruturas petrificadas que justificam as formas de dominação. Ainda neste capítulo, examinaremos rapidamente a ideologia subjacente aos textos didáticos de 1.° grau, às histórias em quadrinhos e à propaganda.
Por questão de espaço, não estudaremos as importantes reflexões de Michel Foucault, filósofo francês contemporâneo, cujos estudos apontam para o caráter ideológico do sistema carcerário e dos hospícios. Na sua História da loucura, critica a moderna concepção de loucura, mostrando como da foi elaborada a partir do século XVII. Há também os trabalhos teóricos c práticos de psiquiatras como o italiano Basaglia e os ingleses Laing e Cooper, com as propostas da antipsiquiatria 3.
Tais discussões controvertidas têm sido sujeitas a um debate fermentado que, supomos, deverá pôr em questão concepções tradicionais a respeito desse assunto.


2. A escola: a ideologia nos textos didáticos

Textos didáticos de 1º grau

"Mãe ( ... ) É acolhedora, tranqüila, segura, presa firmemente ao solo. Mãe é repouso e sossego. Quando a gente está cansada, ou triste, ou desiludida, ou desanimada, ela
nos reconforta."
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,,_ Lúcia trabalha comigo há vinte anos. Faz parte da família ( ... ). Lúcia sabe que vovó Lica e Beto gostam dela. Por isso, Lúcia é uma preta feliz."
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"Este Brasil que eu amo
Brasil enfeitado de verde-amarelo, / no campo, no mato, no rio, / no mar e lá na montanha. / Brasil namorado chamando outras raças / para amar e criar a raça mais linda de todo este mundo."
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"Ordem e Progresso
O brinco na orelha / As frutas na fruteira / No braço, a pulseira / O prato na prateleira / O grilo na grama / O travesseiro na cama / Cada coisa em seu lugar / É preciso colocar."
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"Era uma vez um marceneiro que trabalhava desde manhã até à noite. Aplainava a madeira e cantava."
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"O operário mostra suas mãos cheias de calos: durante toda a vida tocaram a terra, os fogos, os metais. Estão vazias de riquezas, estão negras, cansadas, pesadas. Diz o Senhor: Que beleza! Assim são as mãos dos santos."
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"Piero vai visitar o avô na fundição ... [O avô diz para o netinho:l - Eu também, Piero, entrei por curiosidade na fundição quando era menino. E me pareceu tudo tão bonito ... que aqui fiquei. É belo amar o trabalho que a gente faz. Estou velho t' ao hom Deus só peço uma coisa: quero ficar aqui, na fundição, até o último dia dos meus dias. E vovô levantou os olhos para o céu, em direção às estrelas."
* * *
"História de duas camponesas que voltam para casa com a cesta cheia de ervas. Uma canta feliz e a outra, de cara amarrada, pergunta-lhe por que está tão contente, apesar do duro serviço. Ela responde que colocou na cesta uma planta que a ajuda a não sentir o cansaço: ( ... ) Pois bem, a planta milagrosa que deveríamos sempre ter conosco, para sentir menos cansaço, para suportar as penas, para trabalhar calmamente é ... é ... a paciência!"
* * *
"A poupança é aquela coisa, caro amigo, que, colocando o dinheiro no cofrezinho, quando ele está cheio, você está uma, duas, três vezes rico, rico, rico como um rei!"
* * *
"O camponês sempre espera, e a esperança é a parte melhor e mais verdadeira da alegria humana."
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"Debaixo de solou chuva / o papai vai trabalhar / para dar todo conforto / ao nosso querido lar.
Papai trabalha para sustentar a casa e mamãe trata do lar, do marido e dos filhos."
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"Na cozinha, a mulher do seu Messias estava fritando bolinhos para a gente comer com café. Outras mulheres já estavam depenando frangos e galinhas. A Lúcia ficou com a vovó e a Dona Elza para ajudar na cozinha."
(Extraídos de Maria de Lourdes Nosella, As belas mentiras, São Paulo. Ed. Moraes, 1981 e de Umberto Eco, Mentiras que parecem verdades, São Paulo, Summus, 1980.)


Comentando os textos


Lendo esses trechos de textos didáticos, algumas pessoas se lembrarão de textos parecidos nas cartilhas do curso de 1.° grau. O que pretendemos aqui é analisar a ideologia a eles subjacente.
Na verdade, estamos privilegiando apenas um dos aspectos da instituição escolar, embora muitos outros também mereçam atenção. Assim, por exemplo, a escola sempre surge como uma possibilidade de democratização, na medida em que promoveria a mobilidade social. Mas, ao contrário, constatamos altas taxas de repetência e evasão escolar, sobretudo nas camadas 1I1IIi:-; pobres da sociedade.
Além disso, o próprio funcionamento da escola repete a estrutura hierarquizada, reproduzindo muitas vezes as relações autoritárias existentes fora dela.
E mais ainda, acentuando a dicotomia entre teoria e práxis, a escola, não só desvaloriza o trabalho manual, privilegiando o trabalho intelectual, como também torna a própria teoria estéril, já que distanciada da prática, verbalizada, freqüentemente simples erudição inútil.
Esses problemas são complexos e mereceriam análise mais pormenorizada, a que não nos propomos aqui. O que nos interessa, no momento, é analisar como o texto didático veicula certos valores que visam adequar o indivíduo à sociedade, integrando-o na ordem estabelecida. Embora o caráter ideológico também exista em livros de 2.° grau, sobretudo nos de moral e cívica, história e geografia, vamos nos deter na análise de textos didáticos de 1.° grau.
Analisando os textos citados, podemos notar que a realidade mostrada à criança é estereotipada, idealizada e, portanto, deformadora. Veja, por exemplo, como a visão de trabalho iguala em plano imaginário todos os tipos de profissão e oculta o fato de as pessoas serem submetidas a trabalhos árduos, alienados. Esses textos mostram a sociedade como una e harmônica, cada pessoa cumprindo o seu papel como se fosse um destino a que não se pode fugir e ao qual se deve conformar (alegremente, de preferência ... ). A impressão que se tem é que a riqueza e a pobreza fazem parte da natureza das coisas, e não são resultado da ação dos homens. Resta aos pobres a paciência e aos ricos a generosidade.
Também a família é apresentada sem conflitos, com papéis bem marcados: o pai tem a função de provedor; a mãe é a "rainha do lar"; a criança é atenciosa e obediente e, caso não seja, isto é mostrado como um desvio que precisa ser corrigido; a empregada, geralmente preta, é feliz por ser "quase" alguém da família. Mundo sem preconceito, este, em que as raças se irmanam ...
A pátria merece páginas de ufanismo, retratando um ilusório "país tropical, rico e exuberante, habitado por gente cordial, virtuosa em sua pobreza e conformada no trabalho escravo. ( ... ) Aprendíamos a grandeza da Pátria só comparável às imagens hiperbólicas dos heróis de nossa história monumental, que morriam pelo Brasil. Fora dessa estória, morria-se como hoje, de fome, subnutrição, malária e de um modo geral e severino de pobreza. Mas o ilusionismo didático mostrava a pobreza como um privilégio, purificando no sofrimento do corpo as riquezas da alma. De resto, se a gente era pobre, o país era grande e rico, diziam os livros" 4.
Outros tópicos ficam por sua conta investigar: o que é dito sobre a escola, sobre o trabalho no campo, sobre o índio, sobre a moral. ..
O que podemos pensar a respeito dessa escamoteação da realidade feita pelo livro didático? Estabelece-se uma contradição entre o discurso que ele profere e a realidade: camufla a desigualdade até quando a reconhece (o pedreiro é pobre, mas é importante para a grandeza da nação); mascara a divísiio e não desvela a injustiça social; dá uma visão estática e imobilista da família, da escola e do mundo; acentua estereótipos. Em outras palavras, impede a tomada de consciência dos conflitos e contradições da sociedade, criando, pelo contrário, uma predisposição ao conformismo e passividade.
Esses textos didáticos têm, portanto, uma função ideológica.


Onde está a saída?


Há um longo debate a respeito da possível ação transformadora da escola. Pela análise de textos didáticos, concluiríamos que a escola tem função reprodutora, isto é, é apenas uma peça da engrenagem do sistema político vigente e, portanto, passível da ação da ideologia.
No entanto, tal colocação é redutora demais e não dialética. Ê preciso justamente partir do fato de que a práxis educativa não é neutra, mas está vinculada a uma sociedade, às relações de produção, ao sistema político. Ao mesmo tempo, não se justifica nada fazer enquanto não houver a transformação da sociedade. A escola é um espaço de luta, de denúncia da domesticação e seletividade e de procura de soluções, ainda que precárias e parciais.

"Se amanhã uma educação revolucionária for possível é apenas porque, hoje, no interior de uma educação conservadora e reacionária, os elementos de uma nova educação, de uma outra educação, libertadora, se formaram dentro de uma educação conservadora e reacionária. Essa mudança de espaço dominado para espaço dominante não se fará nem espontaneamente, nem de um momento para outro; por isso, é necessária uma verdadeira pedagogia do conflito que evidencie as contraélições em vez de camuflá-Ias, com paciência revolucionária, consciente do que historicamente é possível fazer, mas sem se omitir." 5

4. Samir Meserani, Prefácio, in Umberto Eco, Mentiras que parecem verdades, p. 11.


4. Propaganda e ideologia


Eu, etiqueta

Em minha calça está grudado um nome Que não é meu de batismo ou de cartório Um nome ... estranho.
Meu blusão traz lembrete de bebida Que jamais pus na boca, nessa vida,
Em minha camiseta, a marca de cigarro Que não fumo, até hoje não fumei. Minhas meias falam de produtos
Que nunca experimentei
Mas são comunicados a meus pés. Meu tênis é proclama colorido De alguma coisa não provada Por este provador de longa idade.
Meu lenço, meu relógio, meu chaveiro, Minha gravata e cinto e escova e pente, Meu copo, minha xícara,
Minha toalha de banho e sabonete, Meu isso, meu aquilo.
Desde a cabeça ao bico dos sapatos, São mensagens,
Letras falantes,
Gritos visuais,
Ordens de uso, abuso, reincidências. Costume, hábito, premência, Indispensabilidade,
E fazem de mim homem-anúncio itinerante, Escravo da matéria anunciada.
Estou, estou na moda.
É duro andar na moda, ainda que a moda Seja negar minha identidade,
Trocá-Ia por mil, açambarcando
Todas as marcas registra das,
Todos os logotipos do mercado.
Com que inocência demito-me de ser
Eu que antes era e me sabia
Tão diverso de outros, tão mim mesmo, Ser pensante sentinte e solitário
Com outros seres diversos e conscientes De sua humana, invencÍvel condição. Agora sou anúncio
Ora vulgar ora bizarro.
Em língua nacional ou em qualquer língua (Qualquer, principalmente.)
E nisto me comprazo, tiro glória De minha anulação.
Não sou - vê lá - anúncio contratado. Eu é que mimosamente pago
Para anunciar, para vender

Em bares festas praias pérgulas piscinas, E bem à vista exibo esta etiqueta
Global no corpo que desiste
De ser veste e sandália de uma essência Tão viva, independente,
Que moda ou suborno algum a compromete. Onde terei jogado fora
Meu gosto e capacidade de escolher, Minhas idiossincrasias tão pessoais, Tão minhas que no rosto se espelhavam E cada gesto, cada olhar,
Cada vinco da roupa
Sou gravado de forma universal, Saio da estamparia, não de casa, Da vitrine me tiram, recolocam, Objeto pulsante mas objeto
Que se oferece como signo de outros Objetos estáticos, tarifados.
Por me ostentar assim, tão orgulhoso De ser não eu, mas artigo industrial, Peço que meu nome retifiquem.
Já não me convém o título de homem. Meu nome novo é Coisa.
Eu sou a Coisa, coisamente.
(CarIos Drummond de Andrade, in Jornal do Brasil, 16-11982, Rio de Janeiro, Caderno B.)
A propaganda, seja ela comercial ou ideológica, está sempre ligada aos objetivos econômicos e aos interesses da classe dominante. Essa ligação, no
entanto, é ocultada por uma inversão: a propaganda sempre mostra que quem sai ganhando com o consumo de tal ou qual produto ou idéia não é o dono da empresa nem os representantes do sistema, mas, sim, o consumidor. Assim, a propaganda é mais um veículo da ideologia dominante.


Propaganda comercial


Propaganda comercial é a que tem por objetivo vender um produto, um serviço ou uma marca ao consumidor.
A partir de estudos sobre a sociedade americana nos anos 50, descobriu-se que os consumidores raramente eram levados a comprar alguma coisa movidos por apelos estritamente racionais. Esses estudos levaram à pesquisa das motivações inconscientes e irracionais que mobilizam o consumidor.
Entre os fatores irracionais, vamos encontrar necessidades e aspirações que dependem da imagem que cada um tem de si e da imagem que quer manter perante os outros. A publicidade vai agir no sentido de apresentar os produtos como meios eficazes para a satisfação dessas necessidades e aspirações. Basta comprar o cigarro de marca tal, o relógio x, o jeans y, e as meias w para conseguir sucesso profissional, segurança, charme, inteligência e o que mais se desejar. Assim, a publicidade mascara a realidade e não nos deixa tomar contato com os meios concretos e possíveis de suprir nossas ne-cessidades. Ela transforma o objeto no fetiche que satisfaz.
O que a publicidade vende, portanto, é muito mais do que o produto: é a promessa de satisfação de uma necessidade ou aspiração que extrapola, em muito, as possibilidades do produto.
Recorrendo ao exemplo de um anúncio de máquina de lavar louça, veremos bem o que ocorre. O anúncio, veiculado em revistas femininas classe A, apresenta duas mulheres loiras de costas, com acentuado decote. Uma tem a pele bem branca e a outra, a pele bronzeada e marcas de maiô. A chamada, em letras grandes, diz: "Você já sabe qual das duas tem uma lava-louças x". Ora, o máximo que o produto anunciado pode nos prometer é louça bem lavada. A promessa, implícita na imagem, de tempo de lazer, local para tomar sol, aparência (segundo a moda) bronzeada e saudável de "férias", ultrapassa em muito o que o produto concretamente oferece.
Os apelos, portanto, são sempre emocionais. Mesmo quando se revestem de razões lógicas, o fundamento da propaganda é despertar emoções de prazer, alegria, felicidade ou de frustração, privação e sofrimento, emoções estas que dependem da posse de determinados produtos para serem usufruídas ou afastadas.
Assim, a propaganda acaba exercendo função modelizante: modela o comportamento por meio da veiculação de valores, que estão centrados no ter cada vez mais coisas.


Propaganda ideológica


A propaganda ideológica, isto é, a que vende idéias e não produtos, é reita de modo muito mais sutil e, por isso, é muito mais perigosa. Raramente 15 identificada como propaganda. "As mensagens apresentam uma versão da realidade a partir da qual se propõe a necessidade de manter a sociedade nas condições em que se encontra ou transformá-Ia em sua estrutura econômica, regime político ou sistema cultural." 9 As informações aparecem como se a realidade fosse assim mesmo e houvesse absoluta neutralidade na sua apresentação. Isto se dá tanto em obras de ficção como em noticiários, entrevistas e documentários. O que na maioria das vezes não percebemos é que há sempre uma seleção prévia de aspectos da realidade que vão ser apresentados e uma interpretação dessa realidade a partir de um ponto de vista que serve a determinados interesses. As informações, assim, são fragmentadas, retiradas do seu contexto histórico e social.
Vejamos, por exemplo, como foi apresentada a greve dos professores de 1979. Mostraram-se escolas fechadas, passeatas de professores, crianças soltas na rua, sem aula, mães sem saber com quem deixar os filhos para irem trabalhar. Foram apresentados todos os aspectos negativos, para a população, da greve dos professores. Omitiram-se do noticiário, entretanto, dados fundamentais que os levaram à greve: o cálculo do salário sobre 240 horasaulas mensais, sem considerar o trabalho, não remunerado, de preparação de aula e correção de exercícios e provas; o desgaste humano e afetivo de se lidar com quarenta ou cinqüenta crianças e jovens durante oito horas por dia; a política de desvalorização da educação, que recebe verbas cada vez menores; as condições de vida de um professor que, mesmo dando oito horas-aulas por dia, recebe um salário ainda indigno; a questão das férias de três meses que, ocupadas, em parte, com provas finais, conselhos de classe, preenchimento de diários, reuniões de planejamento e trabalhos burocráticos acabam reduzidas a trinta dias. Tudo isso é omitido, mostrando-se somente o prejuízo imediato das crianças sem aula e divulgando-se a figura do professor como "mercenário da educação", que se nega a cumprir a "missão" de educar as crianças para um Brasil melhor.
A propaganda ideológica elabora as idéias de forma a adaptá-las às condições de entendimento de seus receptores, criando a impressão de que atendem a seus interesses. As técnicas usadas são a universalização dos interesses de um pequeno grupo; a transferência dos benefícios diretamente para os receptores; a ocultação dos efeitos da exploração; a política da Poliana (lembrar os mais desgraçados e dar graças a Deus pelo pouco que tem); e achar o bode expiatório em fatores externos, incontroláveis, como crises internacionais, FMI, corrupção de grupos estrangeiros, fatos e pessoas do passado etc.

9. Jahr Garcia, O que é propaganda ideológica, p. 10-11.

Assim, esse tipo de propaganda difunde apenas o essencial do conteúdo de uma ideologia, selecionando algumas idéias fundamentais e transformando-as em poucas fórmulas resumidas e simples, isto é, em palavras de ordem e slogan. A palavra de ordem resume o objetivo a ser atingido. Exemplo:
"O povo, unido, jamais será vencido". O slogan contém um apelo aos sentimentos de amor, ódio, indignação ou entusiasmo. Exemplo: "Fora Rede Globo, o povo não é bobo", ouvido no comício do Anhangabaú, em abril de 1984, na campanha pelas diretas.
Para que o controle ideológico sobre a população seja mantido, é necessário criar alguns mecanismos que impeçam o indivíduo de observar com olhos críticos o meio em que vive (o que o levaria à consciência de suas reais condições de vida) e de ter informações diferentes das veiculadas pela ideologia dominante. Essa é a função da censura oficial, das patrulhas ideológicas, da violência, da pressão psicológica, da cooptação e da lavagem cerebral. 10
Nos meios de comunicação de massa, não é necessário muita pressão externa, uma vez que pertencem a grupos da classe dominante, que propõe a ideologia. A título de exemplo, podemos citar os capítulos finais de qualquer novela de televisão, quando as personagens principais acabam se casando. A realização profissional e a realização pessoal na relação com outras pessoas não importam. O principal é achar o príncipe encantado e casar-se para que tudo esteja resolvido.
Assim, é preciso que estejamos sempre atentos. É evidente que não vamos negar todas as informações que nos chegam, seja sobre produtos e serviços, seja sobre o mundo em geral. O importante é mantermos uma postura crítica, questionadora, comparando sempre as informações entre si, observando o que ocorre à nossa volta, para podermos ter uma visão mais global dos fatos e, principalmente, o conhecimento da origem das idéias veiculadas pelos meios de comunicação de massa para descobrirmos a quem realmente elas servem.


Conseqüências sociais da propaganda

Na medida em que a propaganda comercial é veiculada pelos meios de comunicação de massa, atingindo indistintamente vários segmentos da população ricos e pobres, quais as conseqüências desse constante apelo para comprar?
Tomando como exemplo o Brasil, onde só se pode considerar sociedade de consumo pequenas partes do centro-sul do país, dada a má distribuição de rendas, como fica o resto da população que recebe o estímulo da propaganda e não pode satisfazer nem suas necessidades, menos ainda suas aspirações?
Em primeiro lugar, há um dado da FEBEM (Fundação Estadual para o Bem-Estar do Menor) de que, nas vésperas do dia das mães, dos namorados, dos pais e do Natal, época em que a propaganda é mais intensa, acontece o maior número de furtos praticados por menores. Na impossibilidade de comprar, eles respondem aos estímulos da propaganda do único jeito possível. E são presos.
Em segundo lugar, a população menos carente se atira ao trabalho (que dignifica!) na esperança de economizar o suficiente para pagar a prestação do que é apresentado como indispensável à vida. E a ordem social é mantida, com todos trabalhando para, um dia, chegarem lá.
Além da atitude de consumo, a propaganda comercial também veicula, como a propaganda ideológica, modelos de apresentação pessoal, de relacionamentos e de comportamentos, além de modelos de roupa, maquiagem, decoração. Inconscientemente, e pela repetição, vamos assimilando o que deve ser comido no café da manhã, como lavar a roupa, o que beber, em que tipo de bar e em qual companhia, a que programas assistir, sem indagar se são adequados aos nossos gostos e preferências, ao tipo de vida que levamos, ao tipo de salário que recebemos, enfim às condições concretas da nossa vida. E sem essa reflexão sobre as nossas condições reais de vida, viveremos alienados e sem nenhuma condição de transformação do real.
10. Patrulha ideológica: expressão usada no Brasil, a partir de 1978, para designar a ação de grupos que criticam artistas, intelectuais e outras pessoas populares por não defenderem as idéias desses mesmos grupos.
Cooptação: processo pelo qual um indivíduo ou pequeno grupo recebe concessões e privilégios para deixar de defender os interesses da classe social a que pertence e passar a defender aquele que lhe fez as concessões.
Lavagem cerebral: processo pelo qual indivíduos ou pequenos grupos, depois de levados a lugares afastados, de onde não podem sair durante certo tempo, são bombardeados com novas idéias. O indivíduo, fora do seu ambiente normal e com o senso crítico diminuído pela pressão psicológica, acaba aderindo às idéias que lhe são propostas.
Na medida em que a propaganda comercial é veiculada pelos meios de comunicação

terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

“Efervescência democrática no mundo árabe"

1. Jovens: em trânsito, engarrafados, em chamas

Lucas Mendes, De Nova York para a BBC Brasil



A Grande Recessão americana foi campeã de desempregos: 8 milhões. Mais do que as quatro anteriores juntas.

Mas em dezembro, na indústria privada, o número de contratações foi excepcional e cresce entre os que têm alguma educação universitária. Quanto mais diplomas, melhor, mas estes não garantem emprego imediato nem salários altos.

Jovem americano, homem ou mulher, desempregado ou mal empregado, muda de cidade ou Estado. Raramente muda de país em busca de empregos, mas, desde 2008, milhares se mandaram para a Índia. Com passagem de ida e volta.

Os peregrinos desembarcaram nos Estados Unidos no século 17 sem passagem de volta para a Europa e os milhões de imigrantes que chegaram depois, com raríssimas exceções, vieram para ficar. Inclusive a maioria dos estudantes universitários que vêm fazer mestrados e doutorados.

Ano passado, quase 700 mil jovens vieram estudar nas faculdades americanas. Chineses, 128 mil, e indianos, 105 mil, foram os maiores contingentes. Com os coreanos, eles formam o melhor time em matemática, ciências e informática do mundo.

Milhares de chineses e indianos, com seus mestrados e doutorados, voltaram para seus países. O recrutamento chinês é agressivo, com vídeos das novas faculdades, novos centros de estudos e pesquisas, ofertas de bons salários, garantias e benefícios. A paciência dos jovens, como a grana, é curta. Diante de um aceno tentador, bye bye Tio Sam.

Não é fácil calcular este prejuízo. Os jovens estrangeiros estão entre os maiores empreendedores no país: o co-criador do Google é um russo, do eBay, iraniano, do Yahoo, taiuanês, da MicroSystems, indiano.

Os jovens japoneses, que foram tão criativos em indústrias campeãs - Sony, Honda, Toyota - hoje são menos empreendedores e mais engarrafados. Como os americanos, os japoneses raramente saem do país em busca de empregos, mas até os bem diplomados japoneses estão mal empregados, vítimas da "democracia grisalha". O Japão é um país de tradições e mesmo quando a economia está por baixo, os mais velhos estão por cima.

As empresas não demitem os veteranos. Contratam os jovens por salários menores, menos tempo, não pagam pensões nem seguro de desemprego. Sem dinheiro para pagar suas próprias e mandatórias pensões, os jovens saem fora do sistema. Daqui a quarenta, cinquenta anos, quando se aposentarem, serão velhos miseráveis.

A juventude árabe vai pior até do que a africana. Os mais e os menos educados, a maioria desempregada, a juventude árabe está nas ruas e não busca só empregos. Uma indignidade banal pode implodir este universo corrupto, onde milhões são reprimidos, torturados e mortos impunemente todos os dias.

Um tapa na cara queimou a ditadura na Tunísia e ameaça tantas outras. Muhamed Bouazizi tinha diploma universitário, mas, aos 26 anos, era um vendedor de frutas numa cidade pobre e pequena da Tunísia. Os fiscais exigiam e ele pagava os subornos, mas neste começo de ano, Muhamed estava duro.

Naquele dia, além de multá-lo, a fiscal confiscou sua balança nova e ia jogar as frutas fora. Ela puxou o carrinho de lá, ele puxou de cá. Levou um tapa na cara, cuspidas e um chega pra lá dos parceiros da fiscal. No departamento em que deu queixa, foi posto para fora com ameaças de novas multas. Comprou um solvente de tintas, foi para a porta do palácio do governador, se encharcou, e acendeu um fósforo.

Nos países afluentes, os jovens querem empregos e futuro. No mundo árabe, querem o básico: dignidade.


2. “Revolução árabe” anuncia novas tragédias

José Arbex Jr.

A "revolução árabe" começou a ser defla¬grada em 17 de dezembro, por um singular mas trágico incidente: Mohammed Bouazizi, 25 anos, vendedor ambulante de hortaliças, ao ter as suas mercadorias apreendidas pela polícia (cena, aliás, bastante comum em São Paulo, Rio de Janeiro e outras capitais brasileiras), foi levado ao desespero e imolou-se em fogo, na localidade de Sidi Buzid (perto de Túnis). O auto-sacrifício incendiou o país; manifestações de revolta na capital, cidades e vilarejos derrubaram o ditador Zine Ben Ali (no poder desde novembro de 1987), expulso finalmente da Tunísia em 14 de janeiro. Foi o sinal para que grandiosas manifestações eclodissem sem aviso na Argélia, na Jordânia, no Iêmen e, sobretudo, no Egito. Centenas de milhares de jovens, trabalhadores e trabalhadoras, donas de casa, intelectuais, artistas e pequenos comerciantes saíram às ruas contra odiosas ditaduras e monarquias. Em l de fevereiro, no Cairo, Alexandria e outras cidades, pelo menos l milhão exigiram a renúncia imediata de Hosni Mubarak, há três décadas um servo fiel das determinações da Casa Branca. O espectro da revolta sacode o Oriente Médio e o norte da África e cria imensas indagações sobre os novos cenários geopolítico, econômico e financeiro do mun¬do contemporâneo.
À primeira vista, o grandioso tsunami árabe é inexplicável. Assume a aparência de um evento fortuito, que tenderá a desaparecer com a mesma rapidez com que eclodiu. Nada poderia ser mais equivocado. Se o sacrifício de um jovem ambulante é capaz de incendiar uma região inteira do planeta, isso se deve a determinações profundas, inconscientes, muitas vezes invisíveis, mas que se combinam de forma explosiva e imprevisível em determinados momentos históricos. Ninguém controla ou domestica a história, diria a grande revolucionária polonesa Rosa Luxemburgo, cujas análises sobre a Revolução Russa oferecem a chave para entender o que acontece hoje no Oriente Médio. Quem diria, até o final de novembro de 2001, que, em menos de quinze dias, uma multidão enfurecida, incluindo senhoras de classe média, muito bem vestidas, saquearia supermercados e bancos em Buenos Aires, e expulsaria os inquilinos eleitos da Casa Rosada? Ou quem afirmaria, em outubro de 1989, que em 9 de novembro cairia o Muro de Berlim? Os manifestantes árabes, principalmente os jovens, não reclamam apenas reformas econômicas. Manifestam uma revolta incontrolável contra regimes que, durante décadas, oprimiram, torturaram, perseguiram, assassinaram os seus opositores, além de terem devotado uma submissão canina a um sistema imperialista que construiu um imenso edifício de preconceito, ódio e segregação ao mundo árabe e islâmico.
Justamente o Egito é um elo crucial desse processo, por uma razão ao mesmo tempo simples, trágica e grandiosa: durante 16 anos, a partir de 1954, ele foi governado por Gamal Abdel Nasser (1918 - 1970), responsável, em 26 de julho de 1956, pela nacionalização do Canal de Suez, e pela vitória, quatro meses depois, sobre o assalto combinado de tropas britânicas, francesas e israelenses que queriam recuperar o controle sobre o canal - resultado que provocou a renúncia, em janeiro de 1957, de Anthony Eden, o então arrogante primeiro-ministro britânico. "Tudo o que nos foi roubado por aquela empresa imperialista, por aquele Estado dentro do Estado, enquanto morríamos de fome, nós vamos reaver... O governo decidiu sobre a seguinte lei: um decreto presidencial que nacionaliza a Companhia Internacional do Canal de Suez. Em nome da nação, o presidente da república declara que a Companhia Internacional do Canal de Suez é uma companhia limitada egípcia", declarou Nasser em 26 de julho, durante um comício realizado em Alexandria. Com Nasser, o mito da "grande nação árabe" encontrava o seu momento histórico mais brilhante: um líder carismático, símbolo da luta contra o imperialismo britânico, finalmente demonstrava a possibilidade de os povos árabes recuperarem sua dignidade e autoestima.

EXPANSÃO ISLÂMICA

A vitória obtida na Guerra do Suez, graças à mobilização massiva da população, que foi armada pelo governo para resistir aos invasores, criou a sensação, entre milhões de árabes de todo o Oriente Médio, de que a mensagem pan-arabista preconizada por Nasser era o caminho indiscutível rumo à recuperação da glória que um dia os povos árabes conheceram, no auge da expansão islâmica. A vitória egípcia estimulou manifestações populares em todos os países árabes cujos governos eram identificados com as potências imperialistas, especialmente no Iraque do primeiro-ministro Nuri al-Said, visto como um vassalo de Londres. Como resultado das mobilizações populares, caíram Said e a monarquia iraquiana, em julho de 1958. Também como resultado da campanha de Suez, e por impulso só de correntes nacionalistas sírias, principalmente organizadas pelo Partido Baas, foi criada, em 22 de fevereiro de 1958, a República Árabe Unida (RAU), que, integrando Egito e Síria, com capital no Cairo, era destinada a ser o embrião do primeiro Estado pan-árabe (extinto em 1961). O prestígio de Nasser atingia o seu ponto máximo.
Após a vitória de Suez, Nasser reprimiu violentamente e perseguiu os próprios aliados, incluindo militantes de sindicatos e partidos de esquerda, bem como a Irmandade Muçulmana. Além disso, claro, foi humilhado pela derrota na Guerra dos Seis Dias (junho de 1966). Mas o mito sobreviveu à história, e foi ainda reforçado, em certa medida, pela vitória do Exército egípcio, indissoluvelmente vinculado à figura de Nasser, na fase inicial da Guerra do Yom Kippur contra Israel (outubro de 1973). Israel só conseguiu rechaçar o ataque conjunto dos exércitos da Síria e do Egito graças a uma tremenda mobilização de forças colocada em ação por Washington. É dessa história que deriva o imenso prestígio atual do exército egípcio - o décimo maior do planeta -, como também a recusa de seus generais a disparar contra a multidão, embora o próprio Mubarak tenha sido comandante da Força Aérea (entre 1972 e 1975), antes de assumir a presidência. A fábula do "exército popular", fonte do poder e barganha dos generais, seria destruída por uma ação sangrenta. E também como decorrência dessa história os Estados Unidos concederam ao governo fantoche de Mubarak "subsídios" avaliados em cerca de 2 bilhões de dólares anuais, utilizados para o andamento do exército e obras de infraestrutura. Como se vê, não é só o Estada de Israel que vive do parasitismo na região.
Fica fácil compreender porque as manifestações no Egito, em particular, provocaram alarme nos Estados Unidos, em Israel e na União Europeia, ainda que em sua fase inicial elas não tenham assumido um caráter explicitamente anti-imperialista ou sequer anti-israelense. Mesmo a ditadura chinesa ficou alarmada. Os mandarins travestidos de vermelho bloquearam, nos programas de busca da Internet, qualquer menção às palavras "Egito", "Hosni Mubarak" e outras que remetam à revolta egípcia, a qual evoca na China, inevitavelmente, o massacre da Praça da Paz Celestial, por eles ordenado em 4 de junho de 1989. Em face da catástrofe política, os porta-vozes da Casa Branca não poderiam ser mais patéticos. No escasso intervalo de cinco dias, a secretária de Estado Hillary(ante) Clinton mudou sua caracterização segundo a qual o governo Mubarak era "estável" (25 de janeiro) para outra que pedia o "início imediato" do processo de "transição para a democracia". Barak Obama, impotente e alarmado, foi obrigado a oscilar entre o tímido apoio aos manifestantes, que exigiam "mudanças" (lema de sua própria campanha presidencial) e a condenação de um fiel cão de guarda dos interesses de Washington. Explica-se a patética cautela: se Obama abandona subitamente Mubarak, os demais regimes árabes fantoches de Washington vão se sentir ainda mais frágeis e em pânico, intensificando a instabilidade regional.


PETRÓLEO E GEOPOLÍTICA

A queda de Mubarak sob o impacto de um poderoso movimento de massas é a pior notícia que as grandes potências e Israel poderiam receber, por múltiplas razões. Primeiro, porque o Canal de Suez - eterno símbolo do mito nacional árabe - é essencial para assegurar a estabilidade dos fluxos mundiais de petróleo. Um governo instável, ou com algum traço de coluna vertebral poderia criar "problemas" para o uso do canal, que seriam insuportáveis, no quadro da atual crise, mesmo afastando a hipótese (nada irreal) de seu eventual ainda que momentâneo fechamento. Não por acaso, o preço do barril do petróleo disparou com o início das manifestações no Egito, superando o teto dos cem dólares pela primeira vez desde outubro de 2008 (no auge de uma das fases da crise financeira).
Do ponto de vista geopolítico, a equação fica ainda mais tenebrosa para Casa Branca e aliados. O Egito de Mubarak sempre funcionou como carrasco do povo palestino. Bloqueia a sua fronteira com a Faixa de Gaza com uma ferocidade equiparável ou ainda mais violenta do que a praticada por Israel. Seu alinhamento incondicional a Washington é fonte de pressão sobre governos menos "dóceis" do Oriente Médio, como o sírio, e serve como fator de estabilidade regional (em combinação com os fantoches da Arábia Saudita e Jordânia), além de jogar um peso importante no norte da África. Se isso é uma verdade historicamente genérica, torna-se agudamente dramática no quadro atual de extrema tensão, em que a Turquia ensaia uma aproximação, ainda que moderada, com o mundo árabe e islâmico, em que se acumulam as tensões com o Irã, e em que os Estados Unidos são obrigados a amargar o fiasco no Iraque e no Afeganistão. A Casa Branca não pode perder o controle sobre o Egito, é simples assim. Do ponto de vista de Obama e aliados, essa alternativa não está posta sobre a mesa.
Mas uma coisa é o que desejam os governos e as potências. Outra, bem diferente, é a dinâmica dos processos históricos. A “revolução árabe” está, no momento, muito distante de seu final. A pergunta que paira é: qual será a próxima monarquia ou ditadura que vai sentir o gosto amargo da rebelião?
Basta pensar no que aconteceria com a desestabilização da Arábia Saudita, maior exportador de petróleo do mundo, cuja família real, que adora o fundamentalismo wahabita, acumula fortunas fabulosas, à custa da pobreza de boa parte dos trabalhadores, cuja maioria (cerca de 80%) é formada por mão de obra estrangeira não qualificada. Amigos íntimos da família Bush e frequentadores dos altos círculos financeiros estadunidenses, os reis, príncipes e magnatas sauditas (incluindo os Bin Laden) funcionam como uma espécie de garantia de suprimento de petróleo aos Estados Unidos, onde mantêm investimentos bilionários. Há muitos anos as tensões se acumulam na Arábia Saudita, agravadas pelo fato de que a monarquia cedeu território para funcionar como base estadunidense e britânica para ataques ao Iraque durante as duas guerras do Golfo.
Mesmo a desestabilização súbita da Síria seria uma má notícia para Washington e Israel. Submetida a uma feroz ditadura, em que se pratica o culto à personalidade do presidente Bashar Assad (desde julho de 2000, quando substituiu o seu falecido pai Hafez), a Síria reclama a soberania sobre as Colinas de Golã, anexadas por Israel durante a Guerra dos Seis Dias. Mas, ainda que seja qualificada como parte do "eixo do mal" pelos trogloditas mais à direita dos Estados Unidos e Israel, e acusada de financiar o Hezbolá e o Hamas, a ditadura síria faz o jogo diplomático, evita o confronto direto (como faz, por exemplo, Mahmoud Ahmadinejad), contém a minoria curda (outro fator explosivo em toda a região) e procura soluções "pragmáticas". No atual quadro, é menos pior para a Casa Branca ter um "inimigo" conhecido mas controlável do que esperar uma alternativa que não se sabe bem qual seria.

GRANDE INCÓGNITA

Finalmente, em todos os países da região fermenta uma grande incógnita, que foge completamente aos parâmetros tradicionais da política: o Islã. Mesmo no caso da "Revolução do Jasmim" tunisiana - onde o fundamentalismo parece não ter grande expressão - ou no caso do Egito - onde a Irmandade Muçulmana (berço do fundamentalismo islâmico contemporâneo) parece ter adotado a posição mais de espectadora e multiplica promessas de "moderação" - a força que a religião pode oferecer como um elemento de identidade transnacional não pode ser subestimada. Trata-se de um componente que ninguém controla. Assim como não basta recitar o Corão para, automaticamente, arrastar multidões, tampouco adianta evitar o Islã como forma de manter os movimentos dentro de limites seculares. Numa situação em que o nacionalismo pan-árabe dificilmente voltará a exercer o fascínio que teve à época de Nasser, o Islã pode muito bem apresentar-se como o eixo de unificação das lutas nacionais parciais e fragmentárias, ainda que ninguém proclame desejá-lo.
Essa é, finalmente, a tragédia da atual “revolução árabe”. Durante as últimas décadas, a suposta “identidade árabe” foi artificialmente cimentada e sustentada pela retórica contra o “inimigo comum” – em particular, os Estados Unidos e o estado de Israel. Hoje, quando as ditaduras, monarquias e governos corruptos são forçados a mostrar abertamente seu caráter, e quando se abre historicamente a possibilidade de uma afirmação positiva, na via da construção de uma alternativa popular, identificada aos interesses da juventude e dos trabalhadores, não há organizações capazes de liderar esses movimentos e organizar a resistência aos ataques imperialistas, que serão inevitáveis. Mas há o Islã, cuja contrapartida é a retórica não menos fundamentalista e belicista de Israel e a política da Casa Branca.
Mais uma vez, o heroísmo de jovens, homens e mulheres árabes, que nas ruas realizam a sua revolução, ainda não conseguiu construir uma saída para a tragédia que se anuncia. E talvez nem haja tempo para isso, no horizonte previsível. (“Revolução árabe” anuncia novas tragédias. José Arbex Jr. Caros Amigos. Nº 167)


3. Reviravolta árabe e seus impasses

Renato Pompeu

Para entender a situação no mundo árabe, vale recorrer a especialistas em revolução: o russo Vladimir Lenin, a polonesa Rosa Luxemburg e o ucraniano Lev Trotsky, comunistas atuantes um século atrás. Lenin escreveu: “Para que haja uma revolução, não basta que os de baixo não consigam mais viver como antes, é preciso que os de cima não consigam mais viver como antes”. Rosa Luxemburg escreveu: “A revolução é como uma locomotiva – ou tem impulso desde o início da subida para chegar até o ponto mais alto ou não consegue chegar ao cume, interrompe o curso no meio da subida e tende a recuar”. Para Trotsky, uma situação de crise se torna uma situação realmente de mudança quando ao poder vigente se contrapõe um poder emanado das ruas.
De fato, há indicações no Egito, Tunísia e Iêmen de que os de baixo não podiam mais viver como antes e saíram às ruas para o tudo ou nada. Mas os de cima, ao menos por ora, ainda estão conseguindo viver como antes: a não ser pelo afastamento do líder principal, não parece estar ocorrendo grandes modificações. E também nem sequer se sabe qual é o ponto mais alto que a locomotiva da mudança pode alcançar, ou seja, se ocorrerão apenas mudanças das pessoas no poder (o recuo para trás e para baixo), mudanças no campo das liberdades democráticas e eleitorais (parece o caso do Egito), ou se haverá uma mudança na economia e no emprego, a instalação de regimes antiamericanos e/ou anti-israelenses, um estatismo de esquerda ou de direita ou um regime islâmico.
E mais: fora formas difusas de organização de manifestações por torcidas de futebol, instituições religiosas, sindicatos, redes sociais, grupos da sociedade civil e ONGs, em nenhum caso surgiu um poder paralelo do qual emane um governo provisório. Mudanças são pedidas pelos de baixo, mas as poucas mudanças que ocorrem são controladas pelos de cima. Isso, é claro, pode mudar.(Renato Pompeu é escritor e jornalista. http://www.redebomdia.com.br/Opiniao=S0104-68292007000200013&script=sci_arttext)

4. Seis escritores opinam sobre as revoltas em curso no mundo árabe


Nem todos estão otimistas sobre o futuro das revoluções em curso, mas os seis escritores que se pronunciam a seguir ressaltam em uníssono que o mundo árabe está vivendo acontecimentos históricos no norte da África.

A reportagem é do jornal El País e reproduzida pelo Portal Uol, 11-02-2011.

Boualem Sansal (escritor argelino)

Sou pessimista

De um confim ao outro, o mundo árabe se encontra em um estado de efervescência que chegou a níveis críticos ou os ultrapassou, como na Tunísia e no Egito, onde reina uma situação revolucionária patente.

Essa evolução, que muitos pressentiam, é o resultado da decadência extrema em que se encontram esses países há muito tempo, sob o olhar fascinado, indiferente ou cúmplice dos governos ocidentais. De um lado temos regimes desgastados pela idade, a doença e o vício, mas capazes de uma grande violência, e de outro populações pisoteadas que se debatem na miséria.

Entre os dois, um vazio espantoso que foi ocupado pouco a pouco pelos islâmicos e por organizações mafiosas (ligadas ao poder dos islâmicos) que prometem o paraíso. Os partidos de oposição democrática tolerados proporcionam a fachada democrática das ditaduras, e os rebeldes foram obrigados a exilar-se na Europa.

No que me diz respeito, sou pessimista: sem uma sociedade civil organizada e decidida, sem o apoio ativo dos democratas de todo o mundo, os poderes atuais e os islâmicos vão se aproveitar da ira da população e apoderar-se da aposta. O clã dos ditadores e a internacional islâmica vão se mobilizar para vencer e se impor à população, e dessa vez os islâmicos estarão no primeiro plano. É por isso que devemos absolutamente ganhar esta batalha. O assunto não é somente um assunto árabe, é mundial.

Mahi Binebine (escritor marroquino)

"Hogra"

A palavra "hogra" é intraduzível para as línguas românicas. É um sentimento que conjuga o desprezo e a arrogância do dominador com a impotência temerosa do dominado. Um sentimento ancestral herdado do feudalismo e que o período colonial não fez outra coisa além de reforçar.

Os colonos nos cravaram uma faca nas costas, e ao partir só levaram o punho, substituído em seguida por outro, o das presidências monárquicas, o dos clãs, o das máfias sanguinárias que continuaram chupando com deleite o sangue dos anêmicos sob o olhar cúmplice de um Ocidente que, ao mesmo tempo que cantava o hino da democracia e dos direitos humanos, continuava apoiando por interesse esses regimes que negavam as liberdades elementares.

No passado, a guerra denominada "fria" provocou a miopia complacente; hoje é o fantasma do perigo islâmico que domina e atormenta as boas consciências. "Hogra" é um sentimento que também inclui a sede de justiça. Os regimes de fachada já não podem toldar os olhares fixos sobre a sorte dos palestinos em Gaza e em outros lugares. A população tunisiana, a qual nós, magrebinos presunçosos, qualificamos de covarde e sem personalidade, nos mostrou o caminho. O Egito está prestes a seguir seus passos. E outros inevitavelmente seguirão esse caminho.

Um mundo globalizado não tem só inconvenientes. A rebelião popular da Tunísia já mudou o sentido da história! Quem entre nós teria imaginado ver em tão breve prazo o final do medo e a rejeição radical da injustiça e da humilhação? Porque estou convencido de que, mais que uma revolta socioeconômica, é uma sublevação a favor do respeito e pelo fim da injustiça, é uma aposta na dignidade, no respeito e na liberdade, contra a "hogra".

Habib Selmi (escritor tunisiano)

Revolução da Dignidade

A Revolução dos Jasmins na Tunísia (eu prefiro chamá-la de Revolução da Dignidade) é um acontecimento sem precedentes. Surpreendeu todo mundo, incluindo os políticos da oposição e intelectuais, o que demonstra, se é que havia necessidade de demonstrá-lo, como a elite está afastada da população, sobretudo a dessas regiões distantes como Sidi Bouzid ou Kasserine, de onde partiu essa revolução. O que aconteceu na Tunísia e no Egito, e pode ser que aconteça muito em breve na Argélia, prova que os árabes, ao contrário de tudo o que se diz no Ocidente com uma certeza tingida de certa arrogância, sentem um profundo apego pela liberdade e a democracia.

Na minha opinião, três fatores contribuíram para que a revolução na Tunísia fosse possível. O mais importante é a juventude tunisiana, que desencadeou essa revolução e pagou um alto preço (a grande maioria dos assassinados pela polícia e as milícias armadas do antigo regime são jovens). A Tunísia é o país do Magreb com o índice de alfabetização mais alto. O segundo fator é a existência de uma classe média, em contraste com o que ocorre na maioria dos países árabes. O último fator reside no lugar tão importante - em comparação com os demais países árabes - que a mulher ocupa na Tunísia. Sei que o caminho ainda é longo até que a Tunísia se converta em um verdadeiro país democrático, mas sou bastante otimista, e como não ser, depois de tudo o que esse pequeno país nos demonstrou.

Omar El Keddi (escritor líbio)

Emigrar para o mundo virtual

A grande semelhança das revoltas tunisiana e egípcia confirma que vamos contemplar outras mais nos países árabes, que às vezes terão perfis diferentes, conforme a natureza das populações e a estrutura de seus sistemas políticos.

Os elementos mais importantes para conseguir que qualquer revolta triunfe são os seguintes:

1 - Um número consistente de jovens ativistas nas redes sociais, como Facebook e Twitter, incluindo blogueiros como os que informaram sobre as torturas nas delegacias egípcias.

2 - Suficientes organizações da sociedade civil, porque constituem um requisito para poder negociar com o regime e fazer parte de um novo governo.

3 - Ter certeza de que o exército está senão a favor da população, como na Tunísia, pelo menos não a favor do regime, como no Egito.

Os jovens árabes tinham várias opções:

Emigrar legal ou ilegalmente para o Ocidente.

Emigrar para o Afeganistão, Iraque, Iêmen ou Somália e lutar ali.

Imigrar para a corrupção e pisar na população de seu próprio país.

Emigrar para um mundo virtual. Este último foi exatamente o que fizeram. Ali encontraram um mundo agradável, onde podem criar as coisas que acontecem e as notícias, onde se expressam com liberdade, mesmo que sejam ateus ou homossexuais.

Esse mundo lhes dá a coragem de que necessitam para mudar o mundo real. Como não têm experiência política, não são capazes de transformar sua revolta em uma revolução completa. No entanto, agora descobriram sua força e provavelmente entrarão na política, como os estudantes europeus de 1968.

Com certeza esses jovens transmitirão sua esperança a suas populações, o que quer dizer que não só acabarão com as ditaduras como também com o fundamentalismo islâmico. Entretanto, se lhes roubarem sua revolta haverá uma nova onda de terrorismo no estilo das Brigadas Vermelhas ou do Exército Vermelho alemão.

A democracia agita o mundo árabe, mas teremos de esperar pelo menos 15 anos para vê-las funcionar ativamente, como ocorreu na América Latina.

Na Líbia não existe suficiente sociedade civil, nem partidos políticos e não há Constituição desde 1969. Por outro lado, há suficiente ativismo na Internet e o exército é demasiado frágil para se comparar com as brigadas de segurança do regime. O Estado tem muito dinheiro para resolver qualquer problema e comprar as vontades das tribos. Creio que a menos que trabalhemos para resolver esses problemas veremos muitas revoltas, mas sem resultados positivos.

Gana Nouri (escritor tunisiano)

O terreno está fértil

Em 14 de janeiro, os protestos maciços na Tunísia obrigaram Ben Ali a fugir para a Arábia Saudita. Hoje o país é dirigido por um governo de coalizão e serão realizadas eleições dentro de seis meses. A revolução tunisiana iniciou um processo irreversível de democratização em todo o mundo árabe, exemplificado pelo que está acontecendo no Egito.

Todos os árabes têm tantos desejos de mudança quanto os tunisianos ou os egípcios, mas cada revolução tem seu momento, seu contexto e suas causas específicas. É difícil prever em que outro lugar do mundo árabe haverá uma próxima revolução, mas é fácil afirmar que o terreno está fértil para que ocorra em qualquer lugar e a qualquer momento. Para mim é um motivo de regozijo esse grande passo adiante, esse sentimento de esperança e a possibilidade, depois de décadas de decadência árabe; e esta é a última conquista da revolução tunisiana.

Mas o caminho a seguir ainda é árduo, como demonstra o caso tunisiano. Não serão só as eleições que garantirão a saúde da democracia, senão a prática cotidiana da democracia exercida pelo povo. Mais que nunca, a Tunísia necessitará de toda a assistência e ajuda da comunidade internacional e da ONU para superar o delicado período posterior a essa revolução popular.

Ahmad Jamani (poeta egípcio)

Os jovens querem uma mudança radical

O que está acontecendo hoje no Egito é, na minha opinião, algo totalmente novo; desde a revolta egípcia de 1919 contra a ocupação inglesa não houve qualquer outra revolução popular com a intensidade da atual. Alguns já a chamam de "maio de 68 árabe". Jovens modernos chamados de "os do Facebook", a maioria dos quais carece de filiação política, decidiram começar a revolta em 25 de janeiro, dia nacional da polícia egípcia, o que se transformou em um símbolo contra a violência e a tortura. Decidem e conseguem, levando a centelha tunisiana para um país que tem tanta dificuldade para se mover e de grande importância tanto geopolítica quanto demográfica.

Jovens que sentiram a necessidade de uma mudança radical em todos os níveis. Escutamos um legítimo grito comum de um povo depois de 30 anos de brutal ditadura contra um Estado policial no qual reinava a lei de emergência: "O povo quer derrubar o regime!" Aconteça o que acontecer, a mudança já está aqui.

Instituto Humanitas Unisinos

terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

APROVADOS EM 2011

ALGUNS DOS APROVADOS NOS VESTIBULARES EM 2011




JULIANA LOBO FROIO - TERAPIA OCUPACIONAL – UFSCAR - E FISIOTERAPIA - UNESP // CAIO VILLANI FRANÇA - MEDICINA – USP, UNESP (NOTA 10 EM REDAÇÃO) E UFMS // PRISCILA SAIA PIETRAROIA – MEDICINA – PUCPR (NOTA 10 EM REDAÇÃO) // ANDRÉ FASSONI ALVES DOS ALENCAR LEITE – DIREITO – UEL E UFRJ // LEANDRO H. TSUJI HONDA – MEDICINA - FAMEMA E FEDERAL DE PELOTAS // GUSTAVO PIVA VICENTINI – MEDICINA - UNIFESP (NOTA 10 EM REDAÇÃO) E FAMEMA // MARIANA PREVELATO DE ALMEIDA DÁTILO - MEDICINA (2º lugar) – UNIMAR E NOTA 9,8 EM REDAÇÃO EM MEDICINA NA FAMEMA// ISABELA DE OLIVEIRA VIEIRA DA SILVA - MEDICINA - BARÃO DE MAUÁ // ANA OLIVIA GUEDES LEITE - MEDICINA - BARÃO DE MAUÁ // FELIPE COSTA VICENTE – MEDICINA – UFMS, UNESP (le) E USP (le) // GIOVANA E. PIFFER S. ARANTES – ADMINISTRAÇÃO - UFTM E ENGENHARIA FLORESTAL – UTFPR // KARINE SILVA CARCHEDI - DIREITO – UNIVEM