domingo, 28 de agosto de 2011

HORÁRIOS DOS CURSOS EXTRAS E DO SIMULADO-ENEM

ANÁLISE DO LIVROS DA UEL

SEGUNDAS-FEIRAS: DAS 18H ÀS 19H30

NESTA SEGUNDA (05/09): HAVERÁ AULA DOS LIVROS DA UEL


HISTÓRIA DA ARTE

SEGUNDAS-FEIRAS: DAS 20h10 ÀS 21H40

NESTA SEGUNDA-FEIRA (05/09): HAVERÁ AULA DE HISTÓRIA DA ARTE

GÊNEROS TEXTUAIS

TERÇA-FEIRA (30 DE AGOSTO): DAS 20H15 ÀS 21H30


SIMULADO-ENEM

SEGUNDA-FEIRA(05 DE SETEMBRO)

DAS 14H ÀS 15H30

DAS 16H ÀS 17H30


TERÇA-FEIRA (06 DE SETEMBRO)

DAS 14H À 15H30

DAS 16H ÀS 17H30

DAS 20H30 ÀS 22H

sábado, 27 de agosto de 2011

TEMA DE REDAÇÃO PARA DISCUSSÃO EM AULA NOS DIAS 31 DE AGOSTO E 01 DE SETEMBRO

Escreva uma dissertaçao em prosa sobre um dos seguintes tema:

1. Num contexto de crise, como o que vivemos hoje, quais poderão ser os desdobramentos futuros(sociais, econômicos, políticos) tanto locais quanto globais?

2. O sonho da Unificação Europeia está se liquefazendo.


Crise

n substantivo feminino
1 Rubrica: medicina.
o momento que define a evolução de uma doença (para melhor ou pior)
2 Rubrica: medicina.
dor paroxística, com distúrbio funcional em um órgão
3 estado de súbito desequilíbrio ou desajuste nervoso, emocional
Exs.: c. de nervos
c. de choro
4 eventual manifestação repentina de um sentimento, agradável ou desagradável
Ex.: c. de amabilidade, de ciúme
5 estado de incerteza, vacilação ou declínio
Ex.: c. de fé
6 episódio desgastante, complicado; situação de tensão, disputa, conflito
Exs.: na c. albanesa, caiu o governo maoísta
envolveu-se em dilacerante c. amorosa
7 situação de falta, escassez, carência
Exs.: c. de matéria-prima
c. do abastecimento
8 Rubrica: economia.
grave desequilíbrio conjuntural entre a produção e o consumo, acarretando aviltamento dos preços e/ou da moeda, onda de falências, desemprego etc.
8.1 Rubrica: economia.
fase de transição entre um surto de prosperidade e outro de depressão, ou vice-versa

(Dicionário Houaiss)

29/07/2011


O que os atentados da Noruega revelam sobre a crise econômica

Atentado na Noruega é a ponta de um fenômeno que pode ser catastrófico para a humanidade

Por Ricardo Cabral

Vivemos hoje uma das maiores crises econômicas das últimas três décadas. Nos cadernos de economia da grande mídia, os fatos aparecem isolados, como recessões pontuais desconectadas umas das outras. A verdade, porém, é que a crise que hoje assombra a Europa teve início há exatos quatro anos – e seus desdobramentos podem ser muito mais graves do que imaginamos.

Em 2007, uma crise imobiliária fortíssima atingiu os Estados Unidos, quando milhares de cidadãos, impulsionados pelo crédito fácil, contraíram altas dívidas em hipotecas. Com o aumento das taxas de juros e a diminuição dos preços dos imóveis, uma quantidade surpreendente de americanos teve seu patrimônio dilacerado. Ao cabo de alguns meses, a situação levou a uma onda de calotes e de baixas no consumo. Em 2008, as circunstâncias eram tais que acabaram deflagrando o estouro de uma bolha financeira, cujo marco inicial foi o colapso do Lehman Brothers e do Merrill Lynch.

A ameaça de quebra de bancos e seguradoras, à época, gerou um abalo profundo nas principais bolsas ao redor do mundo e levou crise a diversos países, centrais e periféricos, na entrada do ano de 2009. Poucos foram os Estados que seguraram a onda, como o Brasil, que experimentava um processo de intenso crescimento econômico no último triênio do governo Lula.

Nesse contexto, ao longo dos últimos dois anos, observamos diversos pacotes de austeridade econômica tentando ser aprovados nos parlamentos europeus, enquanto Irlanda, Grécia, Portugal e Espanha, por exemplo, caíam em profunda depressão. Assim, para responder às crises, dos EUA à Zona do Euro, bilhões de dólares de contribuintes eram utilizados para sanar os prejuízos deixados por banqueiros e megainvestidores milionários.

Agora, ainda que os jornais pouco falem sobre o assunto estruturalmente, estamos em uma intensa crise do sistema capitalista. Além de se espalhar pela Europa – atingindo outros países, como a Alemanha e a Itália –, ela está de volta aos EUA, com a crise da dívida, e já ameaça chegar ao Brasil, durante o governo Dilma.

“Somente uma crise – real ou pressentida – produz mudança verdadeira. Quando a crise acontece, as ações que são tomadas dependem das ideias que estão à disposição. Esta, eu acredito, é nossa função primordial: desenvolver alternativas às políticas existentes, mantê-las em evidência e acessíveis até que o politicamente impossível se torne o politicamente inevitável.”

A conclusão é de Milton Friedman, o guru do capitalismo neoliberal. E ele tem toda razão. Neste momento, como vemos nos movimentos populares europeus, os danos abandonaram a virtualidade do capital financeiro para atingir a vida real, com sérios prejuízos socioeconômicos, já que a pauta anticrise dos governos é a mesma: privatizações e cortes profundos nos direitos sociais.

(...)



Ricardo Cabral é jornalista e pesquisa na área de comunicação, cultura e política. Entre em contato com o autor pelo twitter @_ricardocabral



A crise da União Europeia

Enviado por luisnassif, qua, 17/11/2010 - 08:22

Coluna Econômica

A União Europeia passa pelo maior desafio de sua história, desde a criação do euro.
Em 1o de dezembro de 2009 entrou em vigor o Tratado de Lisboa, substituindo os tratados da União Europeia e da Comunidade Europeia.
O novo Tratado trouxe uma série de inovações.
Primeiro, reforçou o Parlamento Europeu. Os deputados passaram a ser eleitos por voto direto e o Parlamento teve seus poderes ampliados.
Para contrabalançar esse aumento de influência, conferiu aos parlamentos nacionais o poder definir em que situações a UE poderia intervir em países – apenas quando comprovado que sua atuação seria mais eficiente que a dos estados nacionais.
Também permitiu as emendas populares, a apresentação de propostas diretamente ao PE, desde que subscrita por mais de um milhão de eleitores.
Finalmente, pela primeira vez reconheceu explicitamente a possibilidade de um Estado membro se desligar da UE.
***
Parecia que a UE entraria na reta final de consolidação. A primeira foram os acordos comerciais, ainda nos anos 60. Depois, a consolidação do equilíbrio fiscal dos diversos países e a definição de regras para que os mais fortes amparassem os mais fracos, visando a criação de um continente homogêneo.
Finalmente, o fortalecimento do Parlamento Europeu, podendo legislar para todos os países.
A crise econômica global criou riscos enormes a essa integração – que explodiram ontem em impasses de difícil resolução.
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O impasse surgiu em função do não cumprimento das metas fiscais acordadas com a Grécia – um dos países que mais sofreu com a crise.
A UE acertou um empréstimo de US$ 150 bilhões à Grécia, em troca da redução do seu déficit fiscal. US$ 30 bi já haviam sido liberados quando se constatou que a meta não seria atingida. Constatou-se que o déficit de 2009 chegou a 15,4% do Produto Interno Bruto (PIB), quase dois pontos acima das metas acertadas.
Esse susto se deu ao mesmo tempo em que a Irlanda passava a sofrer ataques especulativos, depois de previsões dando conta de um déficit da ordem de 32% do PIB. Embora em melhor situação, Portugal também lançou despertou desconfianças, com seu déficit de 7,3% do PIB.
***
Esse conjunto de más notícias acabou provocando conflitos entre o Parlamento Europeu e o Conselho Europeu – formado por Ministros das Finanças dos países-membros.
***
O pano de fundo dessa crise é mais grave. Antes da UE, países em dificuldades econômicas tinham liberdade para manobrar suas políticas monetária e cambial. Com a moeda única, cada país membro teve que abrir mão desses instrumentos.
Em período de crescimento econômico, consolidou-se a ideia de que seria possível a construção de uma região homogênea, com países em um mesmo nível de competitividade.
Não seria um tratado que colocaria no mesmo nível o potencial industrial da Alemanha e as fragilidades do Leste Europeu, a pujança da França e de países que só nas últimas décadas começaram a escalar o desenvolvimento – como Portugal e Espanha.
***
Agora, resta esperar que o bom senso impeça a implosão da UE e encontre ferramentas capazes de compatibilizar os interesses nacionais com o geral.

http://www.advivo.com.br/blog/luisnassif/a-crise-da-uniao-europeia



Crise na UE: o futuro do euro está em risco?

(...)“A Europa da zona do euro (16 países) não pode ter uma política monetária e 27 políticas fiscais (UE 27) distintas”, observa Robert Tornabell, professor de finanças da Esade e autor do recém-lançadoO dia depois da crise. Os EUA, diz ele, “têm uma moeda única que obedece a uma mesma política monetária e, naturalmente, uma política fiscal idêntica para todos os Estados da União (incluindo o Alasca, Havaí etc.)”.
Os defensores dessa teoria argumentam que a União Europeia precisa de uma vigilância e de uma supervisão muito mais rígidas e consideram fraco o Pacto de Estabilidade e Crescimento (PEC), um acordo regional celebrado em 1997 com o objetivo de facilitar e de manter a união econômica e monetária. O pacto estabelece atualmente como limites de déficit dos países 3& do PIB e 60% da dívida pública. Contudo, a Comissão Europeia abriu um precedente em 2004 ao perdoar uma sanção à Alemanha e à França por ultrapassarem esses limites. Trata-se de um terreno para o qual George Soros pede um “monitoramento mais drástico”.
Em meio a esse cenário vem à tona outro debate que está chamando a atenção nos últimos meses: o abandono do euro por alguns países. Os países que mais estão sofrendo com a crise poderiam cair na tentação de voltar a ter ao alcance das mãos a possibilidade de desvalorizar a moeda, baixar as taxas de juros ou emitir mais moeda para impulsionar o consumo. Essa é uma possibilidade que Rafael Pampillón, diretor da área de economia da Escola de Negócios IE descarta. “Ninguém vai abandonar o euro”, diz, “e se algum país tiver se endividado demais, e não consegue agora pagar o que deve, que se declare falido”, acrescenta.(...)




União Européia: Quando o sonho virou pesadelo, por João Bosco Monte
10/03/2011


Atualmente, quando se fala de integração europeia, três grandes perspectivas quase que imediatamente vêm à tona: paz, crescimento e prosperidade. Estes aspectos são intimamente interligados e podem ser referidos como cooperadores para uma mesma necessidade mais básica, a segurança.
As razões pelas quais os Estados que haviam sido inimigos durante vários séculos se uniram para cooperar foram diversas. A primeira razão era a situação devastadora na Europa no final da Segunda Guerra Mundial, que chamou a atenção de líderes políticos como Konrad Adenauer, Robert Schuman e Jean Monnet, dentre outros,para a construção de um novo modelo de cooperação.
A outra razão finalmente foi a pressão externa, exercida principalmente pelos
Estados Unidos, que não só queriam evitar a eclosão de outra guerra dentro do continente europeu, mas que também viu uma Europa unida como um baluarte contra a nova ameaça comunista representada pela União Soviética. Assim, houve uma motivação interna e outra externa que influenciaram a ideia de segurança cooperativa na Europa.
Mas o que devemos esperar em relação ao futuro da Europa quando nos referimos à sua integração? O lema da União Europeia -Unidade na Diversidade- parece cada dia mais distante da realidade dos cidadãos comunitários e o que se percebe é que os discursos dos representantes de vários Estados da Europa,contrastam com seus antecessores,onde se torna mais comum a intenção de proteger os interesses nacionais.

Mas o que devemos esperar em relação ao futuro da Europa quando nos referimos à sua integração? O lema da União Europeia -Unidade na Diversidade- parece cada dia mais distante da realidade dos cidadãos comunitários e o que se percebe é que os discursos dos representantes des vários Estados da Europa,contrastam com seus antecessores,onde se torna mais comum a intenção de proteger os interesses nacionais.
As Ilhas Canárias, o Estreito de Gibraltar e o mar Negro foram nos últimos anos, zonas de intensa imigração ilegal, pelo qual com o novo sistema de vigilância, Eurosur, que deverá começar suas atividades nos primeiros meses, centrará o atendimento principalmente nessas zonas. Os dados sobre ingresso de estrangeiros ilegalmente no continente assustam as autoridades: em 2010, somente na Grécia, entraram 80 mil imigrantes de forma ilegal, oriundos principalmente da Albânia, Somália, Afeganistão e Iraque; também chegaram muitos palestinos.
Assim, em meio à onda de manifestações no mundo árabe Médio Oriente, e a tentativa de entrada de egípcios e tunisianos na Europa, muitos de maneira ilegal, alguns líderes do Velho Continente, como o premiê britânico David Cameron, ou o presidente francês Nicolas Sarkozy, admitiram que o “multiculturalismo” não alcançou o êxito esperado nas sociedades européias.
http://www.google.com.br/#hl=pt-BR&q=crise+e+sonho+da+uniao+europoeia&oq=crise+e+sonho+da+uniao+europoeia&aq=f&aqi=&aql=&gs_sm=s&gs_upl=0l0l2l4100l0l0l0l0l0l0l0l0ll0l0&bav=on.2,or.r_gc.r_pw.&fp=530639ffe1b7da9b&biw=1024&bih=661



Crise econômica pode acabar com a união européia

(...) É importante compreender que as origens da crise atual estão precisamente no sonho da união política na Europa. Para os que crêem realmente nessa ideia, a união monetária sempre foi apenas um meio para chegar a uma finalidade maior. Era uma maneira de “construir a Europa”.
Se pedaços da construção – como um Ministério das Finanças europeu – estivessem a faltar, poderiam ser acrescentados mais tarde. Helmut Kohl, chanceler alemão no início dos anos 1990, estava tão convencido da necessidade de enraizar uma Alemanha unificada na União Europeia que se dispôs a implementar o euro, mesmo enfrentando a oposição de 80% do público no seu país.
Num seminário em Londres, na semana passada, o ex-ministro do Exterior alemão Joschka Fischer, um dos mais ousados defensores de uma unidade europeia mais profunda, mostrou-se ferrenho na defesa desse modelo de política.
(...) A consequência é que o espaço para manobras políticas estreita-se cada vez mais de ambos os lados da divisão credores-devedores da Europa. O governo grego mal consegue formar uma maioria para impor a aprovação do seu pacote de austeridade mais recente. O governo alemão de Angela Merkel está perder apoio e enfrenta um público cada vez mais eurocéptico. Enquanto isso, partidos anti-europeus radicais estão em ascensão, em países credores, como a Finlândia e a Holanda. A maioria dos líderes europeus afirma, com aparente despreocupação, que fará o que for preciso para salvar o euro.

(Site: O País. Disponível em http://www.opais.net/pt/opais/?id=1550&det=21835)



CHEGA DE CRISE!

Luiz Carlos Bresser-Pereira
Folha de S.Paulo, 15.08.11

(...) Na Europa como nos Estados Unidos a origem da crise foi a dívida privada, mas esta já está em processo de estatização. O que é injusto, mas inevitável. No capitalismo, na prosperidade, os lucros são privados, na crise, os prejuízos são socializados. Mas no último acordo os governos lograram passar uma parte do custo da reestruturação (diminuição) da dívida para os bancos. O BCE está firmemente concedendo créditos à Espanha e à Itália, depois de havê-lo feito para a Grécia, a Irlanda e Portugal.
Está na hora de os mercados financeiros se acalmarem. O nervosismo da última semana não surgiu do nada, mas é irracional. Nem os dados econômicos, nem os financeiros justificam um novo 2008. Justificam, contudo, que se cobre mais impostos dos ricos para contrabalançar a socialização das dívidas que as políticas neoliberais e ortodoxas causaram ao aumentar irresponsavelmente a dívida do setor privado e desregularem o sistema financeiro.

(Disponível em http://www.bresserpereira.org.br/Articles/2011/117.Chega_de_crise.pdf)




04/07/2011 - 03h00

Crise na Grécia mostra falhas do euro, diz analista


VAGUINALDO MARINHEIRO
DE LONDRES


Há quase um consenso entre acadêmicos de que a crise econômica na Europa, com a Grécia à beira de um calote, escancara as falhas no projeto de criação do euro, a moeda comum de 17 países do continente.
Países com economias e finanças diferentes foram tratados como iguais e o tempo mostrou que não há uma receita única para todos.
Em entrevista à Folha, Kevin Featherstone, professor da London SchoolofEconomics especializado em Grécia e na formação da União Europeia, afirma que os problemas foram agravados porque os líderes europeus não souberam agir depois da crise global de 2008. "Ficaram atrás dos mercados, não à frente", diz.
Ele acredita que a melhor saída seria criar um Ministério das Finanças para a zona do Euro. Aposta também que essa é uma crise de confiança de curto ou médio prazo, mas que não é o fim do sonho de uma Europa unida. "É uma batalha contra os mercados que a Europa irá ganhar".

(...)
Folha - Essa crise representa o fim do sonho de um continente unido? É o fim do sonho de uma moeda única?
Featherstone - Não. Temos de compreender que o progresso da UE foi em ondas. Existem muitas contingências históricas a atuar no progresso ou recuo da UE. Talvez Angela Merkel [premiê alemã] perca a próxima eleição geral na Alemanha. É possível também que a França tenha um novo presidente a partir de 2012.
Há demasiados interesses no projeto europeu para que ele colapse. Esta é uma crise de confiança de curto ou médio prazo. É uma batalha contra os mercados que a Europa deve ganhar.

http://www1.folha.uol.com.br/mundo/938379-crise-na-grecia-mostra-falhas-do-euro-diz-analista.shtml


Zygmunt Bauman

"Vivemos tempos líquidos. Nada é para durar"


A atual crise financeira tem potencial para mudar a forma como vivemos?

Zygmunt Bauman - Pode ter ou não. Primeiramente, a crise está longe de terminar. Ainda veremos suas conseqüências de longo prazo (um grande desemprego, entre outras). Em segundo lugar, as reações à crise não foram até agora animadoras. A resposta quase unânime dos governos foi de recapitalizar os bancos, para voltar ao “normal”. Mas foi precisamente esse “normal” o responsável pela atual crise. Essa reação significa armazenar problemas para o futuro. Mas a crise pode nos obrigar a mudar a maneira como vivemos. A recapitalização dos bancos e instituições de crédito resultou em dívidas públicas altíssimas, que precisão ser pagas pelos nossos filhos e netos — e isso pode empobrecer as próximas gerações. As dívidas exorbitantes podem levar a uma considerável redistribuição da riqueza. São os países ricos agora os mais endividados. De qualquer forma, não são as crises que mudam o mundo, e sim nossa reação a elas.


http://www.istoe.com.br/assuntos/entrevista/detalhe/102755_VIVEMOS+TEMPOS+LIQUIDOS+NADA+E+PARA+DURAR

segunda-feira, 22 de agosto de 2011

Dom Quixote de la Mancha: Utopia e Realidade

Dom Quixote de la Mancha: Utopia e Realidade

Por Rafael Ruiz



A questão fundamental que se coloca quando nos encontramos frente a frente com a figura de D. Quixote é se estamos diante de um homem sensato ou de um louco. Da nossa resposta dependerá todo o relacionamento que, a partir de então, teremos com a imortal obra de Cervantes.




Cervantes dará sua resposta ao longo de duas partes, a primeira com 52 capítulos e a segunda, com 74. Entre uma e outra, o próprio autor se encarrega de avisar que já anda correndo “pelo orbe” uma Parte II que não foi escrita por ele. De fato, há muitas formas de ler o Quixote (1)...



Logo no Capítulo I ficamos sabendo o que aconteceu com o famoso fidalgo que “afinal, rematado já de todo juízo, deu no mais estranho pensamento em que nunca jamais caiu louco algum do mundo, e foi: parecer-lhe conveniente e necessário, assim para aumento de sua honra própria, como para proveito da república, fazer-se cavaleiro andante, e ir-se por todo o mundo, com as suas armas e cavalo, à cata de aventuras(...) desfazendo todo o gênero de agravos, e pondo-se em ocasiões e perigos, donde, levando-os a cabo, cobrasse perpétuo nome e fama” (pág. 30).


Daí, e do que já conhecemos do Quixote, sem precisar sequer dar-nos ao trabalho de lê-lo, podemos concluir que possivelmente se trata de um louco, manso, mas louco. Porém, procuremos analisar essa conclusão com algo mais de vagar. Há muitas formas de se encarar a vida e a realidade. Há aqueles que olham para a vida e não vêem nada além do que seus olhos retêm. Homens como os descritos por Dickens em Tempos Difíceis, que não querem decorar a casa com um papel de parede com desenhos floridos pura e simplesmente porque nunca ninguém viu flores nas paredes. Nada mais lógico: as flores encontram-se no campo ou nos vasos, mas nunca num papel de parede.

Homens assim estão feitos para serem práticos, pragmáticos. Sua vida se resolve numa única pergunta: isso serve para o quê? Talvez o melhor representante desse tipo de pessoa seja a própria sobrinha de D. Quixote, Antonia Quijana, que no começo da Parte II (Capítulo VI) aconselha o tio para que se deixe de bobagens e tenha em conta a idade que tem e não caia no ridículo de andar por aí “endireitando a vida de todos”...

Para esses homens e mulheres, D. Quixote só pode ser um louco. Aliás, o próprio D. Quixote sabe muito bem disso e explica claramente que há duas formas de entender e duas formas de olhar para o mundo. Há uma forma chã, terra a terra, e há uma outra forma, a forma daqueles que estão possuídos por um projeto.


O capítulo XXXI, Parte I é a chave para entender quem é D. Quixote. Sancho fora levar ao Toboso, terra da “sem par Dulcinéia” a carta que D. Quixote escrevera em Sierra Morena para a sua amada. Como Sancho era um homem prático e via que tudo não passava de uma bobagem, nem se preocupou em entregar a carta. Deu uma olhada em Dulcinéia, comprovou que, de fato, era mesmo uma loucura do seu amo, e voltou disposto a fazer ver a D. Quixote que Dulcinéia não era Dulcinéia, mas simplesmente Aldonza Lorenzo.
Sancho diz que Aldonza não leu a carta porque estava atarefada moendo o trigo...
“– Discreta senhora – responde D. Quixote –. Isso deve ser para poder lê-la depois mais devagar e saboreá-la melhor”.
Sancho não entende como seu amo pode estar tão cego e dá um sinal contundente: Dulcinéia cheira mal. Pior, tem cheiro de homem, e de homem suado...

“– Não é bem assim. Deve ser que você mesmo estava..., ou então, que você se cheirou a si próprio, porque bem sei eu como cheira aquela rosa entre espinhos, aquele lírio do campo, aquele âmbar precioso”.
Mesmo assim, Sancho insiste e diz a D. Quixote que sua amada não lhe deu sequer uma jóia de lembrança; que o único que lhe deu foi um pedaço de queijo e outro de pão. D. Quixote sabe ver a grandeza.

“– Generosa é em extremo. E se não te deu uma jóia de ouro, é sem dúvida porque não a tinha à mão...” (pág. 182).

Quem está louco? Quem tem razão o cavaleiro ou o escudeiro? Não se pode esquecer que D. Quixote é um homem com um projeto a realizar, enquanto Sancho não tem projeto algum. E só o homem com projetos é que consegue captar que a realidade é sempre muito maior do que se vê. Depende do sentido que a vida tiver. E só o homem com projetos é capaz de descobrir e atualizar o sentido e significado da vida.

“Escrever é, do começo ao fim, reproduzir a vida ao meu redor através do meu interior, o qual o absorve tudo, o combina tudo, o recria de novo, o amassa e o reproduz em formas e matérias próprias. A criação não é criar e descobrir do nada, mas infundir o entusiasmo do espírito na matéria” (Thomas Mann) (2).
Esse texto de Mann diz tudo: trata-se de infundir entusiasmo em toda a realidade. A realidade não é um bloco monolítico, isolado, à margem da minha vida. Pelo contrário, a realidade está à espera de que nos relacionemos com ela. E essa relação é que é a vida ou, pelo menos, a trama da minha vida. Como muito bem explica Marina, citando a Husserl e Zubiri (3), é falso afirmar que “vejo o que vejo”, como diria Sancho enfaticamente, pensando estar afirmando a verdade mais óbvia do mundo. “Todos temos as mesmas sensações, mas percebemos de acordo com nossos conhecimentos, planos e intenções”(4).

Enganamo-nos se pensamos que olhamos para a realidade como se fôssemos um espelho; como se, de certa forma, nossos sentidos e nossa inteligência se comportassem como uma máquina fotográfica, que refletiria a realidade: vejo o que vejo.

“Não deveríamos esquecer que o que observamos não é a própria natureza, mas a natureza determinada pelo teor das nossas questões” (Heisenberg) (5).
A realidade é colocada em xeque; é submetida a intervenções; é analisada, entrevistada, recortada por nós e, dessa forma, é que é transformada em vida nossa. A minha vida real é a vida que sou capaz de viver dentro da realidade assim trabalhada. E, nesse sentido, D. Quixote não é louco, é apenas um homem apaixonado, um homem disposto a viver a vida com um projeto.

Por isso, quando depois de ter sofrido vilipêndios e desgraças, se encaminham pela Mancha à procura de um lugar de repouso e “as suas coisas iam encaminhando de bem a melhor, ainda não tinham andado uma pequena légua, quando lhes deparou o caminho e nele descobriram uma venda que, a pesar seu , e a contento de D. Quixote, devia ser um castelo. Sancho porfiava que era venda e seu amo que não, porém castelo...” (Parte I, Capítulo XV, pág. 88).


Enquanto que todos olhavam para a Maritornes – que era o nome da moça que “atendia” à venda- como “moça para se refocilar juntos”, D. Quixote enxergava uma “princesa, que veio ver o malferido cavaleiro, vencido de amores, com todos os adornos que aqui se declaram. Tamanha era a cegueira do pobre fidalgo, que nem o tato, nem o cheiro, nem outras coisas, que em si trazia a boa donzela, o desenganavam, com serem tais, que fariam vomitar a quem quer que não fosse arrieiro; antes lhe parecia que tinha nos braços a deusa da formosura...” (Idem, pág. 90).

D. Quixote não está louco, simplesmente passou a ser visto como louco ou visionário por todos aqueles que, sensata e racionalmente, acham que a vida é para ser apenas vivida. D. Quixote pertence à categoria de homens que não aceitam curvar-se à facticidade do acontecer humano. Há uma irrealidade, extremamente poderosa, que não é ficcional nem fantástica. É a irrealidade do projeto, do sonho, da utopia, que envolve e entusiasma o homem, extraindo dele o máximo de si e carregando-o de felicidade (6). É por isso que o Quixote vê o famoso elmo de Mambrino, enquanto Sancho vê apenas uma bacia carregada por um barbeiro:

“Como no caminho lhe começou a chover, receoso de que lhe estragasse o chapéu, que naturalmente seria novo, pôs-lhe por cima a bacia, que, por estar areada de pouco tempo, resplandecia a meia légua de distância. Vinha montado num asno pardo, como Sancho dissera, e esse é que ao fidalgo se figurou cavalo ruço rodado; o mestre, cavaleiro; e a bacia elmo de ouro” (Parte I, Capítulo XXI, pág. 115).

Cervantes é consciente de que a decisão do Quixote de tornar-se um “cavaleiro andante” – o seu projeto: “é mister andar pelo mundo buscando as aventuras como escola prática, para que, saindo algum grande monarca, já o cavaleiro seja conhecido pelas suas obras”... (Parte I, Capítulo XXI, pág. 118) – configura a sua forma de ver as coisas. Por isso afirma, a continuação da história do elmo de Mambrino: “Tinha isso de si: quantas coisas via, logo pelo ar as acomodava às suas desvairadas cavalarias e descaminhados sonhos” (Idem).


O projeto é algo pensado, escolhido, deliberado, “ao qual entrego o controle da minha conduta (7). É precisamente essa característica projetiva – Marías dirá futuriça (8) – que amplia e enriquece o campo de ação do homem e lhe permite sair dos estreitos limites do mundo racional e formal. Passa-se a viver criativamente”. “O enamorado de um ideal é muito mais normal do que todos aqueles que não são capazes de compreendê-lo” (9). O projeto, ao colocar-se como meta a ser realizada, consegue ampliar o campo de liberdade do homem. A partir desse momento a sua vida dá-se além da estatística e da lógica. A lógica formal, o método matemático são tentativas de apreender a realidade, mas a realidade é muito mais do que o método compreensivo e vai muito mais além do que um simples modelo explicativo. Pode acontecer que o homem, quando completamente entusiasmado pelo seu projeto, não saiba bem para onde está indo, como acontecia com D. Quixote. Pode até não resolver muitos problemas que irão surgindo na sua frente, como também acontecia com D. Quixote, mas é sem dúvida alguma a melhor maneira de viver criativamente. “Tudo o que hoje é permanente na história foi, nos seus começos, puro quixotismo” (10).

É evidente que esta forma de viver está em rota de colisão com o padrão racionalizado, funcional e tecnologizado da sociedade contemporânea, mais preocupada com os “meios” do que com os “fins”. A técnica tem em si a sua própria razão de ser: não importa o para quê; não se discute se os meios tecnológicos serão bem ou mal utilizados. A eficácia é o único critério de verificação. Pode-se criticar D. Quixote de não preocupar-se se os seus esforços davam ou não davam resultados. E, de fato, nunca se preocupou da eficácia das suas ações. Não era esse o padrão comportamental do cavaleiro da Mancha. A sua eficácia consistia na sua entrega entusiasmada ao seu projeto. Num mundo dominado pela razão técnica, o homem é obrigado a pautar-se pela eficácia e pela produção. Tudo o mais é sonho, utopia inútil. Parece-me oportuno lembrar aqui umas palavras de Marías:

“Quando o trabalho é demasiado impessoal, quando se realiza por acumulação de materiais e informações, quando interessa mais o resultado e o sucesso do que a própria realização da tarefa, a ilusión desaparece; acredito que isso afeta decisivamente à qualidade, e ainda mais à personalidade da obra, que acaba por ser em muitos casos intercambiável, em lugar de estar ligada à mais profunda realidade do autor” (11).

Quando D. Quixote realiza qualquer aventura está olhando para a própria tarefa a ser realizada. Tem uma dimensão imanente, ou seja, sabe que a perfeição da ação não está propriamente na eficácia do agir, mas na qualidade da própria ação. O homem aperfeiçoa-se no ato, através do agir. Esse é o ensinamento da tradição clássica grega: o agir segue o ser. Por isso, enquanto o fidalgo liberta os presos no capítulo XXII da Parte I, vai dizendo ao mesmo tempo: “se bem vos castigaram por vossas culpas, as penas que ides padecer nem por isso vos dão muito gosto, e que ides para elas muito a vosso pesar e contra a vontade, e que bem poderia ser que o pouco ânimo daquele nos tratos, a falta de dinheiro neste, os poucos padrinhos daqueloutro, e finalmente que o juízo torto do magistrado fossem causa de vossa perdição, e de se vos não ter feito a justiça que vos era devida. Tudo isto se me representa agora no ânimo, de maneira que me está dizendo, persuadindo e até forçando, que mostre em favor de vós outros o para que o céu me arrojou ao mundo, e me fez nele professar a ordem de cavalaria que professo, e o voto que nela fiz de favorecer os necessitados, e aos oprimidos pelos maiores que eles” (Parte I, Capítulo XXII, pág. 125).


O Quixote age conforme ao seu projeto, mesmo que depois os próprios libertados nem lhe agradeçam e mesmo que acabem por apedrejá-lo. O Quixote age de acordo com a sua utopia: realizar a justiça e ganhar a fama; quanto ao resto... “que cada um se veja com o seu pecado: há Deus nos céus, que não descura de castigar o mau e premiar o bom” (Idem).

A utopia cria um espaço entre as possibilidades e a realidade. E dentro desse espaço é que o homem age e se realiza. De certa forma, o homem começa a ver diferente a partir da utopia e do projeto que o entusiasmam. As coisas não se apresentam da mesma forma para um espectador, para um lavrador ou para um compositor. O projeto altera o significado das coisas: as coisas mais singelas e insignificantes podem passar a ter um enorme significado ou, então, podem continuar carecendo dele.


Era isso que acontecia com o cura e o barbeiro e a sobrinha. Para eles, o que realizava D. Quixote carecia de sentido e é por isso que vão à sua procura e conseguem fazê-lo voltar para sua casa, começando a Parte II com um D. Quixote convalescente na cama, repondo-se do “mal da cavalaria” e tendo uma conversa com a sua sobrinha que Cervantes intitula “Capítulo dos mais importantes desta história toda” (Parte II, Capítulo VI, pág. 334) onde deixa transparecer uma outra forma de olhar para os mesmos fatos, um olhar sem projetos:
“– Ah! Senhor meu –acudiu a sobrinha- repare Vossa Mercê que tudo isso que diz dos cavaleiros andantes é fábula e mentira, e as suas histórias, a não serem queimadas, mereciam que se lhe pusesse a cada uma um sambenito, ou algum outro sinal, para que fosse conhecida por infame e destruidora dos bons costumes (...) Valha-me Deus! Saber Vossa Mercê tanto, que, se fosse mister, podia numa urgência subir ao púlpito ou ir a pregar por essas ruas, e com tudo isso cair numa insensatez tão óbvia, que dê a entender que é valente, sendo velho, que tem forças, estando enfermo, e que endireita tortos, estando derreado pela idade, e sobretudo que é cavaleiro, não o sendo, porque, ainda que o possam ser os fidalgos, nunca o são os pobres!”

Quando D. Quixote volta a sair da sua cidade, ainda carrega o “desencanto” do olhar da sobrinha e, por isso, quando, de repente, na entrada de El Toboso se encontram com Dulcinéia e duas aldeãs amigas, o próprio D. Quixote vê apenas, como ele mesmo diz: “três lavradeiras montadas em três burricos(...) é tão verdade o serem burricos ou burricas como ser eu Dom Quixote e tu Sancho Pança. Pelo menos assim me parecem”. Como Sancho quisesse divertir-se, fingiu que Dulcinéia fosse uma princesa e passou a ajoelhar-se perante ela e a tratá-la como tal. D. Quixote, então, voltou a ser o que era e, mesmo continuando a ver três aldeãs, pensou de maneira diferente e disse dirigindo-se à sua Dulcinéia:

“E tu, extremo de perfeição, último termo da gentileza humana, remédio único deste aflito coração que te adora. Já que um maligno nigromante pôs nuvens e cataratas nos meus olhos, e só para eles e não para outros mudou e transformou o teu rosto formoso no de uma pobre lavadeira....” (Parte II, Capítulo X, pág. 350).
Volta dessa maneira D. Quixote a olhar para o mundo desde a sua utopia. E vão transcorrendo os capítulos e o próprio Sancho, feito governador de uma ilha, vai compartilhando da utopia de D. Quixote. A estratégia para trazer D. Quixote de volta é transfigurar-se de cavaleiro da Branca Lua e desafiá-lo em combate. Mesmo derrotado, o fidalgo não deixa de expressar sua devoção por Dulcinéia:
“Dulcinéia de El Toboso é a mais formosa mulher do mundo e eu o mais infeliz cavaleiro da terra, e não estaria certo que a minha fraqueza defraudasse esta verdade; aperta, cavaleiro, a tua lança e tira-me a vida, já que me tiraste a honra” (Parte II, Capítulo LXIV, pág. 572).
Era loucura? Parece mais um sonho descontrolado. O projeto a ser realizado, quando é bom, sempre coloca o homem além dos seus próprios limites. O homem entrega-se à tarefa sem ter tudo definido previamente, sem saber exaustivamente o que vai acontecer e, então, sem que estivesse previsto, consegue-se o fruto que nos ultrapassa.

Quando D. Quixote está à beira da morte mostra-se completamente lúcido. Não tomara nenhum remédio. Está querendo que todos escutem suas últimas palavras. Dá a impressão de estar respondendo a Maquiavel e a todos os renascentistas que tanto acreditaram no papel da deusa fortuna.
“O que te posso dizer é que não há fortuna no mundo, nem as coisas que sucedem, boas ou más, sucedem por acaso, mas sim por especial providência dos céus”
Qual foi o erro de D. Quixote? “Por isso costuma-se dizer que cada um é artífice da sua ventura, e eu o fui da minha, mas não com a prudência necessária (...) Atrevi-me, fiz o que pude, derribaram-me, e, ainda que perdi a honra, não perdi nem posso perder a virtude de cumprir a minha palavra” (Parte II, Capítulo LXVI, pág. 576).

O sonho realiza-se além dos nossos sonhos. É só nessa altura que conseguimos ousar, atrever-nos, correr o risco do fracasso. Mas é só assim que o homem tem a possibilidade de entusiasmar-se. O entusiasmo é exatamente o oposto do autocontrole e do autodomínio. Etimologicamente, significa estar no controle e nas mãos de Deus, estar fora de si, absorvido no que se está realizando. Mas isso não é a condição dos loucos e, sim, dos apaixonados.
“O que mais pode descobrir aos nossos próprios olhos quem somos de verdade, isto é, quem pretendemos ser, é o balanço insubornável do nosso entusiasmo. Onde estão colocados nossos sonhos, e com que força? Que empresa ou trabalho preenche a nossa vida e nos faz sentir que, por um momento, somos nós próprios? Que presença orienta a nossa expectativa, que antecipação nos polariza, estende o arco do nosso projeto e se converte no alvo involuntário e irremediável do mesmo?” (12)


REFERÊNCIAS

(1) CERVANTES, Miguel de, Dom Quixote de la Mancha (Trad. de Viscondes de Castilho e Azevedo), Editora Abril, São Paulo, 1978. As citações foram tiradas desta edição.
(2) in MARINA, José Antonio, Teoria de la inteligencia creadora, pág. 179, 8ª edição, Anagrama, Barcelona, 1996.
(3) Idem, pág. 256.
(4) Ibidem.
(5) Idem, pág. 39.
(6) Marina fala no seu livro Teoria de la Inteligencia creadora que essa irrealidade é a somatória dos trajetos possíveis que o homem pode desenhar sobre a realidade (cfr. pág. 149).
(7) Idem, pág. 149.
(8) O termo futuriço como uma categoria do existir do homem é um tema recorrente em Julián Marías. O Capítulo II do seu Breve Tratado de la Ilusión trata especificamente sobre esse assunto. Vale também a pena, sobre essa questão, ler o seu Antropología Metafísica.
(9) MARAÑÓN, Gregorio, “D. Quijote, D. Juan y Fausto”, in Obras Completas, pág. 958.
(10) Ibidem.
(11) MARÍAS, J. , op.cit., pág. 71.
(12) MARÍAS, J., op. cit., págs. 75-76.




Rafael Ruiz
foi Professor de História de América Colonial da Universidade de São Paulo e leciona atualmente na FAAP.



http://www.quadrante.com.br/Pages/servicos02.asp?id=154&categoria=Cultura

Ocaso de uma utopia?: objetivos nobres e vacuidade de idéias no Fórum Social Mundial




O uso do termo de “utopia” para referir-se aos objetivos do Fórum Social Mundial pode representar uma generosidade conceitual. Como sabem aqueles que já leram a fábula de Thomas More (1516) sobre a ilha na qual imaginariamente prevaleceria um sistema econômico e social perfeito, essa noção passou a recobrir, em seu sentido moderno, todos os projetos visionários que pretendem instaurar um regime de felicidade eterna, com base em uma arquitetura política capaz de promover o bem de todos a partir da cooperação voluntária dos integrantes da sociedade.

Na seqüência de More, outros visionários otimistas pregaram o fim da escassez material e de todos os conflitos entre os homens a partir de projetos de reforma – geralmente irrealizáveis – ou de esquemas ideais de engenharia social que foram apropriadamente postos por Marx e Engels na categoria do “socialismo utópico”. Esses dois socialistas do século XIX pretendiam fundar, no lugar dessas “irrealidades”, um sistema baseado na coletivização dos meios de produção – a partir da expropriação dos bens privados, portanto – e na repartição igualitária das riquezas sociais.

Não cabe aqui avaliar o que resultou desse projeto de revolução social que foi chamado pelos seus autores de “socialismo científico”, tanto porque ele já se tornou irrelevante em termos históricos, com as poucas exceções que se conhecem (nenhuma delas recomendável). Mas cabe, sim, notar que todos esses projetos, fossem científicos ou utópicos, partiam de uma exposição mais ou menos racional dos problemas enfrentados pela sociedade, em suas respectivas épocas, e se propunham resolvê-los de modo sistemático com alguma metodologia social que ostentava o que se requer, minimamente, de toda proposição digna desse nome: uma certa lógica intrínseca na apresentação do problema, um objeto delimitado – ainda que ele fosse a sociedade, em seu conjunto – e uma descrição dos meios sugeridos para a resolução do problema em questão.

Quanto a dar certo, essa é outra questão, mas as utopias sempre pretenderam fornecer a chave resolutiva para o problema detectado, o que obviamente não parece ser o caso da generosa confusão de idéias reinante em todos os conclaves do Fórum Social Mundial. Um conjunto de idéias – e elas certamente aparecem em profusão nos ruidosos conclaves do FSM – não quer necessariamente dizer pensamento organizado, como amplamente demonstrado ao longo dos últimos sete anos. Com efeito, não se tem notícia, ao cabo de todos esses encontros, de uma plataforma coerente com os propósitos do movimento: construir um “outro mundo possível”.

O FSM acaba de realizar, em Nairóbi, no Quênia (21-25/01/2007), o seu sétimo encontro, mas a sensação deixada, assim como a de a todos os anteriores, é, a cada vez, a de uma completa confusão nas idéias, uma enorme vaguidão nos propósitos e uma indefinição notável quanto aos objetivos, sejam eles “utópicos” ou “científicos”. O que, ao fim e ao cabo, se revela é a completa inocuidade de pensamento que caracteriza esse movimento heteróclito, contraditório e irrealista. Se ele conseguisse, um dia, chegar, pelo menos, a ser utópico, já seria um grande progresso.

Para não dizer que o FSM padece de uma notável falta de idéias, reconheçamos que, por vezes, ele tenta oferecer algumas, por magras que sejam. Esperando que ele consiga agregar essas idéias em alguma plataforma coerente de ação, a única possibilidade que temos de conferir em que consiste, exatamente, o seu arremedo de utopia, seria examinando as idéias disponíveis atualmente no mercado da antiglobalização. Os representantes das principais organizações que militam no FSM elaboraram, numa reunião do Conselho Internacional desse órgão – realizada em Parma, Itália, de 10 a 12 de outubro de 2006 –, um conjunto de objetivos gerais que expressam, presumivelmente, a visão do mundo de seus integrantes, quando não sua filosofia de vida.

Transcrevo a seguir os nove objetivos gerais, tais como disponíveis no site do FSM, e me dedico em seguida a tecer comentários sobre cada um deles, agregando argumentos de natureza conceitual e histórica sobre o que me parece correto e o que considero serem equívocos dos “ideólogos” do movimento (ideólogos, aqui, no bom sentido da palavra, isto é, como produtores de idéias). Faço-o num puro espírito de debate intelectual, o que geralmente ocorre de modo unilateral, pois raramente tenho encontrado antiglobalizadores que aceitem debater suas “idéias”. Não importa. Vejamos agora o que eles têm a dizer, antes de comentar seus nobres objetivos.

Os nove objetivos gerais do FSM:

1. Pela construção de um mundo de paz, justiça, ética e respeito pelas espiritualidades diversas;

2. Pela libertação do mundo do domínio das multinacionais e do capital financeiro;

3. Pelo acesso universal e sustentável aos bens comuns da humanidade e da natureza;

4. Pela democratização do conhecimento e da informação;

5. Pela dignidade, diversidade, garantia da igualdade de gênero e eliminação de todas as formas de discriminação;

6. Pela garantia dos direitos econômicos, sociais, humanos e culturais, especialmente os direitos à alimentação, saúde, educação, habitação, emprego e trabalho digno;

7. Pela construção de uma ordem mundial baseada na soberania, na autodeterminação e nos direitos dos povos;

8. Pela construção de uma economia centrada nos povos e na sustentabilidade;

9. Pela construção de estruturas políticas realmente democráticas e instituições com a participação da população nas decisões e controle dos negócios e recursos públicos.

Fonte: http://www.forumsocialmundial.org.br/main.php?id_menu=7&cd_language=1.



Comentários sobre os objetivos do FSM:

Meus comentários serão puramente de natureza sociológica ou econômica, uma vez que a maior parte dos objetivos dos integrantes do FSM tem a ver com a organização social, política e econômica no plano mundial e com as formas de serem encaminhados alguns dos problemas com que se debate a humanidade, em especial a pobreza, a desigualdade, os desequilíbrios ambientais, sociais e de gênero, com seu cortejo de injustiças a serem remediadas. Acredito que a grande maioria dos integrantes do FSM seja formada por jovens idealistas, efetivamente preocupados com os problemas que eles dizem pretender combater, embora uma parte significativa dos que poderiam ser identificados como dirigentes, seus “ideólogos” – aqui no sentido marxista do termo –, ostente uma nítida postura anti-capitalista e anti-mercado que não pode ser negligenciada.

1. Pela construção de um mundo de paz, justiça, ética e respeito pelas espiritualidades diversas

Perfeitas e irretocáveis as três primeiras metas desse objetivo, embora a última, pelo “respeito pelas espiritualidades diversas”, é filha intelectual do chamado “relativismo cultural”, uma atitude que passou a infestar as universidades e as sociedades ocidentais no período recente. Ou seja, em nome do respeito ao direito dos povos serem como eles são, pode-se acabar sendo conivente com os piores atentados à dignidade humana que se possa conceber. Refiro-me, concretamente, ao tratamento da mulher e das jovens adolescentes em determinadas sociedades africanas e asiáticas, nas quais não apenas se pratica a ablação do clitóris como se costuma entregá-las compulsoriamente, segundo conveniências familiares, a homens bem mais velhos, em casamentos arranjados (em alguns casos quando elas ainda nem se tornaram adolescentes). Sem mencionar a discriminação educacional e profissional, de modo geral, que elimina as mulheres de uma série de atividades produtivas nessas sociedades, caberia lembrar que o que distingue o progresso humano – ou civilizatório – é justamente o tratamento dado à mulher.

Ora, falar em relativismo cultural representa, em determinadas circunstâncias, preservar as piores formas de opressão e de violação dos direitos humanos, culturais e até religiosos (uma vez que essas mesmas sociedades convivem com formas condenáveis de intolerância religiosa), sem que se possa avançar, por exemplo, a causa da universalidade e da indivisibilidade desses mesmos direitos humanos (individuais ou coletivos). De resto, o respeito às “espiritualidades diversas” é bem mais praticado nas sociedades ocidentais do que nessas sociedades implicadas nas formas mencionadas de discriminação, sem que se levante, contra elas, o mesmo princípio do “relativismo cultural” (uma vez que o que as caracteriza, justamente, é um absolutismo integral na afirmação de suas particularidades espirituais e culturais). Em resumo, a defesa da ética pode não combinar com o respeito de “espiritualidades” que ofendem a dignidade humana.

2. Pela libertação do mundo do domínio das multinacionais e do capital financeiro

Incompreensível, impraticável ou simplesmente quimérico, para não dizer totalmente irracional, na sua forma e na substância. Aparentemente, os antiglobalizadores estão com poucos socialistas marxistas – ainda que não científicos – em suas fileiras, pois do contrário não teriam a coragem de afirmar tamanha utopia: qualquer velho socialista, que já teve a oportunidade de ler o seu Marx e o seu Lênin, poderia sorrir condescendente em face desse objetivo.

O modo de produção capitalista, que se disseminou em todo o mundo nos últimos cinco séculos, aproximadamente, está justamente baseado numa forma de organização social da produção que tem nas empresas – eventualmente convertidas em grandes conglomerados – o seu principal vetor de inovação produtiva, de distribuição de produtos e de propagação de hábitos de consumo que derivam diretamente da atividade dessas instituições de mercado. Ainda que as formas individuais de criação de conhecimento e de tecnologia possam representar uma parte significativa do engenho humano aplicado produtivamente e ainda que as empresas cooperativas – que certamente serão defendidas pelos militantes do FSM – possam constituir um tipo de empreendimento socialmente recomendável, nenhuma pessoa sã de espírito negaria o fato de que, hoje em dia, parte significativa, se não a majoritária, das inovações nos modernos sistemas produtivos se dão num contexto dominado por grandes empresas e conglomerados, ou seja, pelas multinacionais aparentemente vilipendiadas pelos militantes do FSM.

Não considerando a existência de multinacionais socialistas – da China, por exemplo – e o fato de que o FSM também constitui um grande empreendimento multinacional – que, de certa forma, também ostenta o seu “capital financeiro”, do contrário não poderia realizar encontros tão grandiosos (sem levar em conta suportes estatais) –, esses militantes parecem viver num universo paralelo, que não tem nada a ver com o mundo real. Para que esse tipo de objetivo pudesse ser cumprido, a única recomendação a fazer seria esta: os militantes do FSM precisariam cessar, total e imediatamente, de usar celulares, de se comunicar por internet, de se locomover pelos meios habituais de transporte, de ir ao cinema, de ver televisão, enfim, parar de fazer a maior parte das coisas que eles fazem no seu dia-a-dia, uma vez que, inevitavelmente, eles estão “patrocinando” alguma multinacional de um setor qualquer de atividade. Ou seja, eles deveriam se retirar do mundo globalizado – no qual eles parecem se inserir tão bem – e se refugiar como eremitas nas montanhas do Afeganistão, onde a globalização aparentemente ainda não penetrou (os talibans, por exemplo, estão totalmente livres das multinacionais e do “capital financeiro”).

Como esse objetivo deve ter sido inculcado nos jovens idealistas que freqüentam os foros da antiglobalização por velhos militantes de uma causa “proto-socialista” – ou seja, “utópica” e não propriamente “científica” –, deve-se alertar a esses jovens que eles estão embarcando numa causa perdida antecipadamente. O mundo não será “libertado” das vis multinacionais porque, simplesmente, não existe força humana, sequer coletiva, capaz de realizar tal tarefa impossível.

3. Pelo acesso universal e sustentável aos bens comuns da humanidade e da natureza

Simples e elogiável, dito assim, de modo generoso e não utilitarista, mas difícil de ser realizado na prática, se olharmos mais de perto cada um desses conceitos. “Acesso universal” significa que todas as sociedades possam ser colocadas num mesmo patamar de consumo e de dispêndio de energia, algo difícil de ser realizado efetivamente, em vista das diversas dotações de fatores naturais e dos diferentes níveis de produtividade do trabalho humano. O “acesso” é o resultado de capacitação técnica – que pode ser inerente ou importada, mas aqui isso depende de meios adequados – no atendimento das necessidades humanas, triviais e não triviais, o que as sociedades conhecidas ainda não conseguiram assegurar de modo igualitário, mesmo depois de cinco mil anos de civilização material. Infelizmente esse acesso é desigual, a despeito, mesmo, da disseminação quase universal das técnicas mais elementares de cultivo, de saneamento básico e de produção de alimentos: a privação ainda é um traço comum para metade da população do planeta, em pleno segundo milênio da chamada era comum. Esse acesso desigual não resulta, como gostariam de acreditar alguns simplistas do pensamento socialista, da exploração colonial ou da dominação imperialista, mas sim dos diferenciais de produtividade do trabalho humano, o que depende basicamente de educação ou, simplesmente, de capacitação técnica.

Acesso “sustentável” significa que os sistemas produtivos nacionais não destruam os recursos naturais, além da capacidade de reprodução ou de manejo do meio ambiente, o que justamente não é assegurado nas sociedades dotadas de baixa produtividade. Trata-se de um circulo vicioso, no qual a pobreza amplia a destruição dos recursos existentes. A elevação dos padrões produtivos, em geral vinculada à inovação trazida por grandes empresas (às quais se opõem os militantes do FSM), pode contribuir para diminuir o grau de “insustentabilidade” dos processos produtivos “rústicos”. Desse ponto de vista, os militantes do FSM deveriam patrocinar ativamente essa elevação a padrões sustentáveis de produção, por quaisquer meios disponíveis, o que implicaria, em princípio, a aprovação da “penetração” das multinacionais nos sistemas produtivos nacionais, algo aparentemente inaceitável aos seus olhos.

Finalmente, o conceito de “bens comuns” está associado a dois elementos cada vez mais presentes em nossas vidas: por um lado, os grandes espaços naturais (ainda) não delimitados politicamente por soberanias exclusivas, o que inclui oceanos, atmosfera e o meio ambiente, de modo geral, mas também o chamado estoque acumulado de conhecimento humano, o que inclui as descobertas, a produção científica, os saberes e as artes, que podem constituir patrimônio comum da humanidade; por outro lado, aumentam progressivamente os bens culturais colocados voluntariamente à disposição do público, conhecidos pela sigla “cc”, os creative commons, ou “coletivos”, no lugar dos direitos proprietários, vinculados ao copyright. Não existe, a priori, nenhuma objeção técnica a que essa apropriação de “bens comuns” se faça de modo mais amplo, mas no plano prático isso depende de meios de “delivery” – ou seja, internet, computadores e logística, de modo geral –, que sempre apresentam custos que devem ser assumidos por alguém (a coletividade ou empresas privadas, que não costumam trabalhar de modo gracioso). Talvez os militantes do FSM pudesse começar contribuindo para essa causa colocando “em comum” as suas discussões e foros, hoje restritos apenas aos que concordam com suas posições e políticas.

4. Pela democratização do conhecimento e da informação

Este objetivo tem muito a ver com o anterior e, como ele, depende da disseminação das informações – vinculada, mais uma vez, a meios técnicos de acesso – e da disponibilidade dos conhecimentos. Os conhecimentos básicos, que resultam de descobertas e da produção científica, estão prática e livremente disponíveis, de modo direto e imediato, nas bases de dados abertos colocados na internet. Existe, porém, uma outra parte do conhecimento, com aplicações diretas no sistema produtivo – que é tecnologia proprietária ou know-how –, que exige grandes investimentos para sua elaboração, sendo, portanto, valiosa e estando geralmente protegida por regimes proprietários (patentes e outros títulos).

Supõe-se, assim, que por democratização do conhecimento, o FSM queira dizer, de modo direto, o maior acesso possível, não necessariamente de modo gratuito, mas eventualmente por via do mercado, que é a instituição humana – não inventada – mais eficiente que já se descobriu para alocar recursos e fatores produtivos e para distribuir bens e serviços (inclusive informação). Pode-se propor, mais uma vez, que os militantes do FSM comecem democratizando a informação e o conhecimento de que já dispõem, criando escolas para a formação básica em disciplinas elementares para aquela parte da humanidade hoje excluída dos sistemas formais de ensino.

5. Pela dignidade, diversidade, garantia da igualdade de gênero e eliminação de todas as formas de discriminação

Nada, absolutamente nada, a objetar, a não ser o mesmo tipo de argumento implícito ao primeiro objetivo, que consiste na proclamação praticamente universal de direitos e garantias individuais, sem um mínimo de perspectiva crítica quanto à diversidade “estrutural” existente no mundo. As desigualdades remanescentes – ou melhor, existentes, de fato – entre os homens (entre os gêneros, sobretudo) e as sociedades não são, apenas, produto da vontade dos homens e das sociedades, mas resultam de causas estruturais muito lentas a se implantarem e ainda mais lentas a se dissolverem. Esse objetivo constitui um dos grandes objetivos do milênio, tal como definido pela conferência da ONU de 2000 para sua redução substantiva até 2015; mas ele será, provavelmente, o de mais difícil erradicação da face da Terra, em especial naqueles territórios e sociedades pouco afetados, até aqui, pelo processo de globalização, o mais poderoso indutor de modernização econômica e social que se conhece na história da humanidade. Pena que os militantes e as organizações do FSM sejam tão acidamente contrários a este processo, em nome da preservação, justamente, da diversidade dos povos, esquecendo, talvez, que essa “diversidade” é muitas vezes produtora de discriminações que têm suas raízes em costumes ancestrais que caberia extirpar, em nome, por exemplo, da dignidade da mulher.

Na África, onde acaba de realizar-se o sétimo encontro do FSM, assim como na maior parte das sociedades islâmicas do Oriente Médio e alhures, essa meta aparece como a mais difícil de ser realizada, com base numa constatação puramente visual dos parcos progressos alcançados nas últimas décadas. Seis décadas depois da assinatura da Declaração Universal dos Direitos do Homem (1948), o seu artigo 16 – citando: “1. A partir da puberdade, o homem e a mulher, sem qualquer restrição quanto a raça, nacionalidade ou religião, têm o direito de se casar e de fundar uma família. Eles têm direitos iguais em relação ao casamento, durante o casamento e em sua dissolução. 2. O casamento só pode ser concluído com o livre e pleno consentimento dos futuros esposos.” – permanece letra morta em grande parte dessas sociedades.

Se é verdade que os militantes do FSM defendem esses princípios da Declaração de 1948 – e se é verdade que o progresso civilizatório é medido pelo tratamento concedido à mulher –, eles deveriam se esforçar de maneira mais dedicada para torná-los realidade em cada um dos países nos quais eles vêm atuando nos últimos anos.

6. Pela garantia dos direitos econômicos, sociais, humanos e culturais, especialmente os direitos à alimentação, saúde, educação, habitação, emprego e trabalho digno

Mais uma vez, nada a objetar, a não ser, igualmente, o fato de que esses “direitos” têm de ser “produzidos” de alguma forma, o que coloca novamente na agenda dos militantes do FSM a difícil questão de nos explicar a origem da “cornucópia” fantástica que vai “garantir” esses bens de modo semi-automático. Em geral há uma tendência, nesses meios, a considerar que basta determinar que os Estados sejam organizados de forma a “prover” o acesso de toda a população a esses direitos básicos, independentemente do seu modo efetivo de provimento, para que isso ocorra, como que por fiat divino. É o que Marx e Engels chamariam de “socialismo utópico”.

Trata-se de uma carência lamentável na “economia política” desses movimentos, uma vez que eles estão sempre invocando o slogan mágico de que “um outro mundo é possível”, sem jamais, porém, avançar qualquer rudimento que seja desse mundo alternativo (supostamente melhor). Dele não se conhecem seus contornos arquitetônicos, sua localização no tempo ou no espaço e, mais importante, suas engrenagens essenciais, isto é, o seu modo de funcionamento interno. A não ser que ele funcione por alguma espécie de moto perpétuo, como no velho sonho dos reformistas utópicos, não existe nenhuma maneira factível (conhecida dos economistas, em todo caso) que seja capaz de assegurar o livre provimento desses bens materiais de maneira ampla e indiscriminada, a não ser distribuindo os custos e as penas do processo produtivo por toda a sociedade. Como o Estado, em si, não produz absolutamente nada – a não ser, obviamente, déficit público – e como tudo o que ele recolhe sob forma de recursos teve de ser previamente produzido pelos agentes econômicos (que são os trabalhadores e seus patrões), supõe-se que os militantes do FSM já tenham pensado em modos alternativos de “dar” ao Estado o poder mágico de dispensar favores sem custo para a sociedade. Seria a varinha mágica dos altermundialistas.

Curiosamente, pelo que se conhece da experiência histórica – dos últimos 150 anos, pelo menos –, as sociedades menos aptas a prover seus cidadãos de quantidades ilimitadas desses bens materiais (e, sobretudo, alguns bens “espirituais”, como a cultura ou a liberdade) são justamente aquelas mais dominadas pela presença econômica do Estado enquanto agente ativo do processo produtivo. Ao contrário, as sociedades mais produtivas – e as que desfrutam de maior liberdade, também – foram e são aquelas cujos princípios organizadores dão menos ênfase ao papel do Estado e maior à própria sociedade civil, no seu sentido estritamente produtivo. A objeção de que as sociedades mais avançadas do mundo, no plano do IDH por exemplo, são as escandinavas, nas quais o Estado, reconhecidamente, desempenha um preeminente papel redistributivo, não pode ser considerada uma denegação desta tese, uma vez que o direito à propriedade privada, em sua expressão plena, e a capacidade de iniciativa individual estão nelas totalmente asseguradas. O próprio Estado está nelas integralmente controlado pelas forças vivas da nação, como sabem reconhecer todos os que conhecem o modo de funcionamento das sociedades nórdicas.

7. Pela construção de uma ordem mundial baseada na soberania, na autodeterminação e nos direitos dos povos

No plano jurídico, tampouco haveria algo a objetar a esse objetivo inatacável do ponto de vista democrático, praticamente kantiano em sua inspiração. Ocorre, porém, que a ordem mundial não está baseada na representação dos povos, mas sim na organização dos Estados, e aqui começa todo o problema. Como sabem aqueles que já leram a Carta da ONU, ela começa invocando no preâmbulo os “povos das Nações Unidas” – que são aqueles que derrotaram as “potências do mal”, no caso, a Alemanha e o Japão – mas todos os seus enunciados ulteriores referem-se, não a “povos”, mas aos “Estados membros”. O Estado nacional é a forma política até aqui insuperável que a humanidade encontrou para organizar esse arremedo de “ordem mundial” que temos hoje.

Em outros termos, a soberania que temos hoje é a westfaliana, baseada no velho princípio da não-subordinação de um Estado a um outro (em teoria, pelo menos). Da mesma forma, a autodeterminação tem mais a ver com o direito dos governos decidirem em toda legitimidade a ordem interna em suas respectivas jurisdições do que com os direitos dos povos em exercer, diretamente, esse direito, do contrário a ONU não poderia aceitar em seu seio governos não-democráticos (ou ditaduras execráveis), o que sabemos que tampouco é o caso. Os “direitos dos povos”, por fim, estão consubstanciados na Declaração de 1948, mas ela se refere aos direitos do homem, tão facilmente negados em certos regimes que integram, de pleno direito, a ordem mundial regida pela ONU. A soberania pode se opor, na prática, aos direitos dos “povos”.

A soberania nacional tem sido, na verdade, usada como um biombo muito cômodo para a violação dos mais elementares “direitos dos cidadãos”, a começar pela segurança e a liberdade. Os militantes do FSM dariam um grande passo adiante, na defesa dos “direitos dos povos”, se eles se decidissem a lutar, justamente, pelo fim da soberania absoluta dos Estados como próxima fronteira na construção do direito internacional, colocando como princípios organizadores dessa “ordem mundial dos povos” o respeito à democracia política e a defesa absoluta dos direitos do homem e do cidadão como critérios de “inclusividade” numa nova ordem onusiana. Movimentos que não pretendem representar os Estados, mas os cidadãos, precisamente, deveriam pensar nesse tipo de progresso conceitual no terreno do direito internacional e passar a lutar pelo seu avanço. (Eles não precisam me agradecer pela idéia, basta usá-la, sem qualquer tipo de copyright.).

8. Pela construção de uma economia centrada nos povos e na sustentabilidade

Pelo que eu conheço dos princípios econômicos elementares, toda e qualquer economia é baseada nos povos e na sustentabilidade, do contrário ela já teria desaparecido da face da Terra. Em outros termos, esse objetivo geral não quer dizer absolutamente nada, a não ser que os velhos “ideólogos” do FSM – não os seus jovens idealistas, entre os quais podem estar alguns que já estudaram o seu manual de economia, o famoso text-book Economics 101 –, queiram significar com isso que a economia não pode se sustentar nos mercados, nas trocas mercantis e na busca desenfreada de lucro, o que é muito mais provável, se eu conheço a fauna do FSM.

Não é segredo para ninguém que as organizações que militam no FSM abrigam um número considerável – preponderante mesmo, eu diria – de pessoas que rejeitam, quase como um anátema ou a peste em pessoa, o capitalismo, os mercados, o lucro, enfim, tudo aquilo que se assemelhe, de perto ou de longe, a formas de apropriação privada dos meios de produção e a formas mercantis de distribuição de bens e serviços. Seu ideal seria um mundo que funcionaria sem mercados, sem dinheiro, sem capitalismo, de preferência sem os capitalistas, o que seria o máximo de genialidade possível. Infelizmente para os órfãos do socialismo estatal e para os viúvos do planejamento centralizado, o embate entre modos de produção já se deu nos bastidores da história e, pelo que eu sei, o capital venceu. Tudo isso pode não ser muito agradável para os idealistas de sempre (e para alguns rancorosos irredentistas), mas a história tem dessas coisas que, de vez em quando, resultam no soterramento definitivo de paquidermes pouco adaptados às novas condições ambientais: o socialismo foi um deles. Pode-se até chorar uma lágrima pelo desaparecimento desses monstros do passado, mas não se pode querer sua sobrevivência em contradição com os novos dados da história (ou até da “geologia” econômica).

Quero crer que os que redigiram este objetivo “econômico” estejam entre a dor pungente de terem perdido um ente querido e a confusão mental de não terem absolutamente nada para colocar no lugar dele, do contrário não teriam formulado um objetivo tão “sem pé nem cabeça” como esse. Eu proponho simplesmente que os militantes do FSM retirem esse objetivo da sua lista, refaçam o dever de casa e voltem depois com algo melhor, isto é, algum objetivo que tenha consistência econômica ou, pelo menos, sustentabilidade lógica.

9. Pela construção de estruturas políticas realmente democráticas e instituições com a participação da população nas decisões e controle dos negócios e recursos públicos

Nenhuma objeção, no terreno dos princípios. Ocorre, porém, uma pequena dificuldade. Esse princípio, plenamente assegurado em polities relativamente diminutas, como aquelas que se reuniam na ágora grega dos tempos de Péricles – ou, ainda hoje, em algumas aldeias de cantões recuados da Suíça moderna –, é um pouco mais complicado de ser assegurado em alguns países de dimensão continental: experimente reunir a população da China, ou que seja da cidade do México, para uma discussão “democrática” sobre o uso dos recursos públicos. Complicado, não é mesmo? As democracias de aldeia deram lugar ao moderno sistema da representação política.

O democratismo de base é fácil de ser proclamado, mas complicado de ser implementado nos modernos regimes democráticos, que organizam povos disseminados por um vasto território. Foi, aliás, por isso que se inventou a instituição da representação política, plenamente assegurada na maior parte das democracias modernas. Justamente, as organizações que militam no FSM são as menos propensas a pregar esse tipo de controle democrático sobre as decisões e quanto ao uso dos recursos, uma vez que, elas raramente se submetem ao princípio que pregam: as estruturas democráticas pressupõem voto aberto, respeito aos direitos da minoria e equilíbrio de poderes, com controle independente das decisões adotadas e escrutínio externo quanto ao uso de recursos (tribunais constitucionais e de contas, segundo as regras dos checks and balances). No Brasil, onde grande parte das ONGs vivem de recursos públicos, a accountability dos movimentos ditos “sociais” parece algo difícil de ser assegurado. O FSM deveria começar abrindo suas contas.

Proponho, em conseqüência, que os militantes do FSM refinem esse último conceito, consultem o seu Norberto Bobbio em algum fim de semana mais folgado – antes do próximo encontro, quem sabe? – e voltem a se reunir em Parma para redigir um novo objetivo geral que seja menos “democratista” em seus princípios básicos e mais realista em suas aplicações práticas.

De modo geral, comparando-se o mínimo de estruturação conceitual que se registra hoje em alguns dos textos dos militantes do FSM com a grande confusão mental que reinava em seus primeiros encontros –de Porto Alegre a Caracas –, percebe-se que os chamados altermundialistas (que eu prefiro chamar de antiglobalizadores) estão fazendo um grande esforço para afinar as suas idéias, tanto quanto se percebe, e tentam, honestamente, se ouso dizer, fazê-las encontrar-se com a realidade do mundo. Mas, eles ainda estão bem longe da “realidade efetiva das coisas”, como diria um outro filósofo italiano (totalmente globalizado, cabe registrar).

Atualmente, em todo caso, em lugar dos jamborees anuais, nos quais o maior esforço de transpiração consistia em xingar o imperialismo, em lugar de uma saudável inspiração mental, nota-se o sincero desejo de oferecer algumas respostas mais ou menos estruturadas aos problemas complexos com que se defrontam os povos (que eles dizem representar). Mais algum esforço e um pouco mais de organização – porque globalizados eles já estão, talvez até mais do que os seus desprezados “primos” capitalistas de Davos –, os altermundialistas justificarão finalmente o nome pelo qual pretendem ser chamados: eles ainda precisam oferecer uma forma alternativa, mas factível, de organização social da produção que não seja inerentemente injusta e desigual como atualmente o é a capitalista. Eu, pessoalmente, desconfio que, muito antes disso, a maior parte desses militantes se converterão em sisudos capitalistas alternativos. Mas isso faz parte do processo.

Em todo caso, recomenda-se que eles se reúnam novamente, tantas vezes quanto possível (e o seu “capital” o permitir), para tirar as lições dos debates realizados nesses encontros, para confrontar suas palavras de ordem com a realidade efetiva das coisas e para que eles possam, em algum momento do futuro, apresentar propostas factíveis para esse “outro mundo possível”. Pode até ser em forma de projeto “utópico”, mas que pelo menos ele tenha consistência intrínseca, um pouco de lógica formal e um mínimo de factibilidade. Continuem sonhando, mas com realismo!



por PAULO ROBERTO DE ALMEIDA




http://www.espacoacademico.com.br/069/69pra.htm

LEITURAS IMPORTANTES: UTOPIAS E NÃO-UTOPIAS

400 ANOS DE QUIXOTE

Saramago defende não-utopia e Galeano polemiza



Escritor português monopoliza atenções ao atacar utopias e pregar necessidade de ações concretas.



Cris Gutkoski

Eles escrevem crônica, ficção, romance e contos, com a
densidade de ensaios de política e filosofia. E, por isso
mesmo, foram recebidos no Fórum Social Mundial com a ovação
tradicionalmente destinada a ídolos da música ou do cinema,
com direito a fila de centenas de metros, gritos e urros
diante da lotação além da conta do Auditório Araújo Vianna,
na manhã de sábado (29). A palavra ao vivo de José Saramago e
Eduardo Galeano foi consumida com fervor na mesa-redonda
Quixote Hoje: Utopia e Política, da qual participaram
também Ignacio Ramonet, Frederico Zaragoza, Luiz Dulci e
Roberto Savio.


Galeano, autor de As veias abertas da América

Latina, esteve em edições anteriores do FSM e sempre
provocou rebuliço. Da primeira vez, em 2001, o direito de
entrar no teatro do prédio 40 da PUCRS para assisti-lo foi
disputado a tapa, uma curiosa contradição ao espírito da não-
violência. O público extra se acomodou no palco. O espaço era
pequeno demais diante da necessidade tão grande e tão urgente
de ouvir alguma voz amiga na contracorrente do
neoliberalismo. Saramago veio pela primeira vez ao megaevento
que Ramonet comparou, com humor, aos “jogos olímpicos da
crítica da globalização” ou “férias sociais mundiais”.


Cavaleiro endividado

“Quixote estava preso por dívidas, como nós da América Latina
estamos”, disse Galeano, referindo-se ao “anti-herói de
dimensões heróicas” de Miguel de Cervantes, inspirador do
encontro. Para fornecer provas de que existe um outro mundo
sendo gestado na barriga deste – quem sabe uma espécie de
contramundo da infâmia -, o escritor contou a história de
Vargas, um pintor analfabeto e talentosíssimo que conheceu na
Venezuela.
Vargas vivia num povoado escurecido pela exploração do
petróleo, um lugar tão feio e fétido que lá o arco-íris era
preto e branco e os urubus voavam de costas. Mesmo assim, ele
pintava flores, árvores e aves enormes cujo colorido
humilhava as pranchetas mais ricas, discorreu ele. “Eu disse
aos meus amigos que Vargas era um pintor realista, ele
pintava a realidade que não existe mas de que se necessita”,
disse. O não-lugar da etimologia da palavra utopia, lembrou,
pode ter lugar nos olhos que ainda não enxergam esse lugar,
mas o adivinham.


A não-utopia

Galeano sequer usou os 15 minutos a que tinha direito. De
certa forma, deu a deixa para o final da fala de Saramago,
que logo apresentou como má-notícia para a platéia o fato de
ele não ser um utopista. Para o primeiro Nobel de Literatura
de língua portuguesa, “o único lugar que existe é o dia de
amanhã, a nossa utopia é fazer alguma transformação já”. Não
há tempo, explicou, para gastar em discussões e movimentos de
mobilização que resultarão em alguma melhora na qualidade
global de vida somente em 2043 ou, pior, daqui a 150
anos. “Quem nos garante que no futuro as pessoas estarão
interessadas naquilo em que agora estamos?”, ele provocou,
sugerindo menos retórica e uma revisão rigorosa nos conceitos
da esquerda. “Para as cinco bilhões de pessoas que vivem na
miséria, utopia é nada”.

Os palestrantes fizeram cada um a sua leitura da
personagem de Cervantes, nascida na Espanha no século XVII,
viva e reciclada ao longo de 400 anos. Zaragoza destacou a
busca do impossível e a visão distinta da realidade do
cavaleiro andante. O diretor da Unesco também citou a tese do
prêmio Nobel de Física, Ilya Prigogine, de que é necessário
calor para provocar as reações. Ramonet, diretor do Le
Monde Diplomatique, questionou a suposta loucura de
Quixote.

“Aqui há quixotes e quixotas, mas não estamos loucos”,
garantiu. Segundo o jornalista e semiólogo francês, Quixote
não era um fanático da sociedade ideal, e seu desajuste com a
vida real consistia na disposição de não suportar injustiças.
Ele pensava ser possível ter um mundo diferente, mas não
tinha programa nem manual de instruções. Mais ou menos como
se encontram hoje, quatro séculos depois, milhares de
altermundistas, os “batalhões de quixotes” a que se referiu
Ramonet.


Persistência para o ridículo e a derrota

Galeano preferiu destacar na personagem imortal da
literatura um talento também persistente para o ridículo e a
derrota. Saramago sugeriu a tese de que Quixote fez um
truque: declarou ser louco, sem sê-lo. “No fundo ele era um
pragmático”, arriscou, num dos vários momentos da manhã em
que a ironia e mesmo a gozação pareciam preencher os espaços
do auditório.

“As palavras são umas desgraçadas, fazemos delas o que
queremos”, afirmou o romancista. “Veja a política, por
exemplo. Eu já disse que a política é a arte de não dizer a
verdade, ela falseia, deturpa, condiciona e manipula”.
Saramago fez essas declarações em seguida à fala do único
político na mesa, o ministro Luiz Dulci, também o único
palestrante vaiado (mas em igual medida aplaudido) pela
platéia.

A presença de um integrante do governo Lula, que
declaradamente tenta levar o conceito de utopia para a
prática política, provocou tensões interessantes num evento
marcado pela troca amistosa de frases de efeito. À observação
de Saramago, de que a democracia representativa é uma farsa,
afinal nela, a escolha possível, por meio do voto, é muito
limitada (retirar do poder alguém de que não se gosta e
colocar em seu lugar alguém de que talvez se vá gostar),
Dulci rebateu com a execução do Orçamento Participativo em
administrações petistas. O chamado OP foi justamente a
experiência radical de aplicação e controle dos gastos
públicos que trouxe o FSM para Porto Alegre, iniciada ainda
nos primeiros meses da administração de Olívio Dutra na
prefeitura, em 1989, quando os recursos em caixa estavam
zerados. Quixotismo, naquela época, era eufemismo. A
lembrança acendeu uma homenagem comovida de Galeano: “Essa
cidade deu lições ao mundo de democracia participativa.
Obrigado, Porto Alegre!”


Transformação

Diante dos vários autores famosos citados pelos
palestrantes na esteira da obra de Cervantes (Fernando
Pessoa, Bernard Shaw, Manuel Bandeira, Thomas Morus),
Saramago voltou à carga, na hora das perguntas, redobrando a
ironia: “Atenção, atenção, muita atenção”, anunciou. “Muita
atenção porque eu vou pronunciar uma frase histórica”. E lá
veio ela: “O que transformou o mundo não foi uma utopia, foi
uma necessidade”. O Nobel de Literatura logo esclareceu que a
frase não era de alguém famoso, era dele mesmo, inventada ali
na hora.

Alguém poderia contrapor que utopias e necessidades são a
mesma coisa, e que uma negativa entre elas é apenas mais uma
palavra desgraçada. Tanto faz. Para Saramago, a necessidade
mais urgente é discutir a democracia, que está por aí feito
santa de altar, de quem não se esperam mais milagres.”A
democracia hoje está seqüestrada, amputada. É o capital
financeiro que governa o mundo, e ele não foi escolhido pelos
povos”.



http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=11004






Debate renova o papel da utopia na política


O caminho se faz ao andar dos sonhos!


A intrigante obra de Miguel de Cervantes, “Dom Quixote” foi o ponto de partida para o debate sobre a utopia, protagonizado por intelectuais europeus e latinoamericanos do porte dos escritores Eduardo Galeano, uruguaio, e do português, José Saramago. Mais de 5 mil pessoas lotaram o Auditório Araújo Vianna, onde apenas se ouvia a respiração e os aplausos dos participantes.
A imersão na literatura de Cervantes escritor espanhol do século XV, na Conferência Quixote Hoje: Utopia e Política, começou com o diretor da UNESCO, Federico Mayor. “Quixote saia pelo mundo para buscar o impossível, o visível e o invisível. Somente os sonhadores poderão mudar a realidade e a política é a arte de transformar possível amanhã o que parece impossível hoje. A força da nossa palavra, sem o uso da violência, está mudando a agenda dos ricos. No futuro somente colheremos um fruto: o da semente que tivermos coragem de plantar. A utopia termina quando se guarda silêncio ou com a uniformização da diversidade cultural com a hegemonia do pensamento único. É preciso que cada ser humano tenha oportunidade de expressar sua sabedoria e expor sua imaginação para romper a obscuridade que toma conta da humanidade hoje”.

QUIXOTES E QUIXOTAS EM PORTO ALEGRE - Ignácio Ramonet, diretor do Le Monde Diplomatique e presidente da Media Wacht falou da loucura de Quixote, da loucura de Cervantes e das loucuras de cada um de nós. “A loucura de Quixote é um assunto a ser resolvido, mas aqui em Porto Alegre há um batalhão de quixotes e quixotas que não estão loucos. Eles e elas não suportam as injustiças e desigualdades, são altruístas e generosos. O FSM é um projeto louco que realizamos, uma utopia concreta, uma Torre de Babel reconstruída, com o objetivo louco de mudar o mundo”. Ramonet expôs cinco medidas urgentes: a luta planetária contra a fome e a miséria, o fim dos paraísos fiscais, o cancelamento da dívida externa, água potável para todos e a taxação das grandes fortunas: “A única verdade prematura é que iremos mudar o mundo.”
Lágrimas... Como sempre, Eduardo Galeano, o porta voz do nosso continente fala que Quixote é um personagem paradoxal, a obra é imortal, uma aventura de liberdade, nascida do cárcere, onde Cervantes estava preso devido a dívidas, que nem a América Latina. “Mesmo Quixote sempre esta exposto ao ridículo e parecendo condenado às derrotas, triunfa. Então, a lugar da utopia – o não lugar, segundo Thomas Morus -, está nos olhos de quem a vê, por que cada um de nós tem uma promessa de mundo novo escondida, outro mundo se gesta em nós, que estamos pintando com outras cores essa realidade.”

SISTEMA ALTERNATIVO GLOBAL – Entre muitos aplausos e algumas vaias, Luiz Dulci, Secretário Geral da Presidência, puxou Cervantes para o Brasil, a utopia e a política. “O império romano também se achava indestrutível e não se preparou para a erosão interna e para a invasão dos bárbaros. Quando eles chegaram o império estava carcomido por que não tinha alma. Não podemos rebaixar a utopia. Ela é a linha do horizonte para provocar a política a não contentar-se consigo mesma. O FSM provoca a construção de um sistema alternativo global e um programa político histórico para mudar o cotidiano e a realidade a luz da utopia, começando pela democratização das Nações Unidas e a união dos países do Sul para democratizar a ordem internacional.”

REIVENTAR A DEMOCRACIA - O Prêmio Nobel de Literatura, o escritor português José Saramago, fez uma provocação: “Tenho uma péssima notícia: não sou futurista. A utopia é equivalente a uma promessa de paraíso após a morte e para as milhões de pessoas que vivem na miséria esta palavra não significa nada. Falar em utopia é falar do que não existe e o dia do amanhã, o amanhã a gente constrói hoje com o nosso trabalho. Precisamos discutir o conceito da palavra democracia, que hoje mais parece uma santa num altar, uma referência do que de fato um lugar de participação do público. Se queremos falar em democracia, precisamos reinventá-la, tirá-la dos limites do voto do cidadão.”

Vera Gasparetto – Jornalista - Na manhã de 29.1.2005

http://liberdade-atitude.blogspot.com/2008/08/debate-renova-o-papel-da-utopia-na.html

sábado, 20 de agosto de 2011

TEMA DE REDAÇÃO PARA DISCUSSÃO EM AULA NOS DIAS 24 E 25 DE AGOSTO

Tomando como ponto de partida o conceito de utopia, as palavras de Zygmunt Bauman, um dos pensadores que mais têm produzido obras que refletem os tempos contemporâneos, e, considerando as ideias contidas na coletânea, escreva um texto dissertativo-argumentativo sobre o tema:


A utopia é possível numa sociedade liquída?


I - Ao mesmo tempo em que o homem faz e pensa a história presente e a passada, ele sonha e projeta a história futura. Por isso é que ele é caracterizado como agente, ou melhor, sujeito histórico. Projetar a história rumo ao futuro ainda não realizado é uma das atividades vitais da práxis histórica do homem; nisso há um acordo geral. O problema está na radicalidade desse projetar o futuro da história. Quando a projeção desse futuro rompe o fio de continuidade da história corrente, quando a imaginação procura tomar o céu de assalto, quando a sociedade imaginada é em tudo diferente da sociedade real, temos então uma utopia. (Filosofia – iniciação à investigação científica, José Auri Cunha)

II - O conceito de utopia (...) passou a ser compreendido de diferentes maneiras no decorrer da história. Originalmente, a palavra provém do conceito grego ou-topos, que designa um “não-lugar” ou “lugar nenhum”. O escritor inglês Thomas Morus é quem, certamente, mais contribuiu para a difusão do termo, ao usá-lo para intitular sua obra mais famosa, indicando um território imaginário onde a sociedade por ele idealizada aboliu a propriedade privada e a intolerância religiosa, estando centrada nos valores da justiça e felicidade humana. Assim, o termo utopia passou a ser utilizado por muitos outros pensadores tanto para descrever “mundos ideais”, como A cidade do sol (Tommaso Campanella) e Nova Atlantis (Francis Bacon), como para designar o que já existia anteriormente com este significado no pensamento humano, como, por exemplo, A República de Platão. Confrontados com uma sociedade injusta e desigual “realmente existente”, muitos pensadores foram fundamentando sua crítica à “realidade” com base em uma projeção idealizada positivamente, uma idéia regulativa de mundo desejado. (Utopia e realidade, Antônio Inácio Andreoli) Fonte: http://www.espacoacademico.com.br/056/56andrioli.htm

III - Diferentemente da sociedade moderna anterior, que chamo de "modernidade sólida", que também tratava sempre de desmontar a realidade herdada, a de agora não o faz com uma perspectiva de longa duração, com a intenção de torná-la melhor e novamente sólida. Tudo está agora sendo permanentemente desmontado, mas sem perspectiva de alguma permanência. Tudo é temporário. É por isso que sugeri a metáfora da "liquidez" para caracterizar o estado da sociedade moderna: como os líquidos, ela caracteriza-se pela incapacidade de manter a forma. Nossas instituições, quadros de referência, estilos de vida, crenças e convicções mudam antes que tenham tempo de se solidificar em costumes, hábitos e verdades "auto-evidentes". Sem dúvida a vida moderna foi desde o início "desenraizadora", "derretia os sólidos e profanava os sagrados", como os jovens Marx e Engels notaram. Mas enquanto no passado isso era feito para ser novamente "re-enraizado", agora todas as coisas — empregos, relacionamentos, know-hows etc. — tendem a permanecer em fluxo, voláteis, desreguladas, flexíveis. A nossa é uma era, portanto, que se caracteriza não tanto por quebrar as rotinas e subverter as tradições, mas por evitar que padrões de conduta se congelem em rotinas e tradições.
Como um exemplo dessa perspectiva, li outro dia que um famoso arquiteto de Los Angeles estava se propondo a construir casas que permanecessem lindas "para sempre". Ao ser perguntado o que queria dizer com isso, ele teria respondido: até daqui a vinte anos! Isso é "para sempre", grande duração, hoje. O que me interessa é, portanto, tentar compreender quais as conseqüências dessa situação para a lógica do indivíduo, para seu cotidiano. Virtualmente todos os aspectos da vida humana são afetados quando se vive a cada momento sem que a perspectiva de longo prazo tenha mais sentido. (Entrevista do sociólogo Zigmunt Bauman a Maria Lúcia Garcia Pallares-Burke) Em: www.scielo.br/scielo.php?pid=S0103-20702004000100015&script=sci_arttext

IV - Uma das características do que chamo de "modernidade sólida" era que as maiores ameaças para a existência humana eram muito mais óbvias. Os perigos eram reais, palpáveis, e não havia muito mistério sobre o que fazer para neutralizá-los ou, ao menos, aliviá-los. Era óbvio, por exemplo, que alimento, e só alimento, era o remédio para a fome.
Os riscos de hoje são de outra ordem, não se pode sentir ou tocar muitos deles, apesar de estarmos todos expostos, em algum grau, a suas conseqüências. Não podemos, por exemplo, cheirar, ouvir, ver ou tocar as condições climáticas que gradativamente, mas sem trégua, estão se deteriorando. O mesmo acontece com os níveis de radiação e de poluição, a diminuição das matérias-primas e das fontes de energia não renováveis, e os processos de globalização sem controle político ou ético, que solapam as bases de nossa existência e sobrecarregam a vida dos indivíduos com um grau de incerteza e ansiedade sem precedentes.
Diferentemente dos perigos antigos, os riscos que envolvem a condição humana no mundo das dependências globais podem não só deixar de ser notados, mas também deixar de ser minimizados mesmo quando notados. As ações necessárias para exterminar ou limitar os riscos podem ser desviadas das verdadeiras fontes do perigo e canalizadas para alvos errados. Quando a complexidade da situação é descartada, fica fácil apontar para aquilo que está mais à mão como causa das incertezas e das ansiedades modernas. Veja, por exemplo, o caso das manifestações contra imigrantes que ocorrem na Europa. Vistos como "o inimigo" próximo, eles são apontados como os culpados pelas frustrações da sociedade, como aqueles que põem obstáculos aos projetos de vida dos demais cidadãos. A noção de "solicitante de asilo" adquire, assim, uma conotação negativa, ao mesmo tempo em que as leis que regem a imigração e a naturalização se tornam mais restritivas e a promessa de construção de "centros de detenção" para estrangeiros confere vantagens eleitorais a plataformas políticas.
Para confrontar sua condição existencial e enfrentar seus desafios, a humanidade precisa se colocar acima dos dados da experiência a que tem acesso como indivíduo. Ou seja, a percepção individual, para ser ampliada, necessita da assistência de intérpretes munidos com dados não amplamente disponíveis à experiência individual. E a sociologia, como parte integrante desse processo interpretativo — um processo que, cumpre lembrar, está em andamento e é permanentemente inconclusivo —, constitui um empenho constante para ampliar os horizontes cognitivos dos indivíduos e uma voz potencialmente poderosa nesse diálogo sem fim com a condição humana. (Entrevista do sociólogo Zigmunt Bauman a Maria Lúcia Garcia Pallares-Burke) Em: www.scielo.br


Coletânea


1. O possível não é o provável. Esse é o previsível, isto é, algo que podemos calcular e antever, porque é uma probabilidade contida nos fatos e nos dados que analisamos. O possível, porém, é aquilo criado pela nossa própria ação.É o que vem a existência graças ao nosso agir. No entanto, não surge como "árvore milagrosa" e sim como aquilo que as circunstâncias abriram para nossa ação. A liberdade é a consciência simultânea das circunstâncias existentes e das ações que, suscitadas por tais circunstâncias, nos permitem ultrapassá-la. (Convite à Filosofia. Marilena |Chauí)


2. A própria palavra utopia indica ruptura radical entre a ordem social vigente e a ordem social imaginada. Significa literalmente “lugar que não existe”, isto é, um ato pelo qual a imaginação cria admiráveis mundos novos. Porém é preciso esclarecer: o utopista não é simplesmente uma sonhador ingênuo, um contestador gratuito, um indivíduo desajustado em sua sociedade. Ele pode até ser muito bem ajustado do ponto de vista prático, profissional ou político, mas o que o caracteriza é que ele não está satisfeito com o grau de felicidade que a ordem social instituída garante. De fato, muito dos grandes utopistas, a começar por Platão (filho abastado da aristocracia ateniense), passando por Francis Bacon (lorde chanceler do rei Jaime I, da Inglaterra), ou mesmo Thomas More (criador do termo utopia, que também chegou a ocupar o cargo do governo britânico no tempo de Henrique VIII), foram homens que ocuparam lugar privilegiado nas sociedades em que viveram. Desse último se diz que “nesse posto trabalhava arduamente, varando noites para examinar com cuidado cada caso que se apresentava; de dia era acessível a todos, justíssimo juiz e verdadeiro amigo dos pobres”. Esses não são, pois, exemplos de homens ingênuos ou desajustados. (Filosofia – iniciação à investigação científica, José Auri Cunha)


3. Zygmunt Bauman – Para que a utopia nasça, é preciso duas condições. A primeira é a forte sensação (ainda que difusa e inarticulada) de que o mundo não está funcionando adequadamente e deve ter seus fundamentos revistos para que se reajuste. A segunda condição é a existência de uma confiança no potencial humano à altura da tarefa de reformar o mundo, a crença de que “nós, seres humanos, podemos fazê-lo”, crença esta articulada com a racionalidade capaz de perceber o que está errado com o mundo, saber o que precisa ser modificado, quais são os pontos problemáticos, e ter força e coragem para extirpá-los. Em suma, potencializar a força do mundo para o atendimento das necessidades humanas existentes ou que possam vir a existir. (Entrevista do sociólogo Zigmunt Bauman a Maria Lúcia Garcia Pallares-Burke) Em: http://www.scielo.br


4.Vivemos uma época de imensas transformações no campo do relacionamento humano. Os atos de relacionamento político internacional são demonstrações do mais alto grau dessa nova situação. Isto é demonstrado de forma global pelos atos de terrorismo e de violência institucionalizada, que se efetua a nível das empresas transnacionais que impõem seus modelos econômicos e sua política de manipulação das necessidades e do imaginário histórico do povo. A situação atual criou um modelo unidimensional da moral nos mais variados sistemas. Esse modelo define-se nos princípios de gerenciamento dos bens públicos e por uma ideologia que se caracteriza por uma maximização e quantificação das atividades da vida humana pelas exigências dos múltiplos planos estratégicos, pela ideologia da qualidade total e pelo processo de mundialização. A mundialização impôs-se em pouco tempo como um lugar comum do debate público. Os conceitos mundialização e globalização são utilizados numa perspectiva para enumerar e denunciar vítimas do processo de exclusão social. No entanto, a história da última década exige muito para ser decifrada e para que se possam costurar todos os detalhes dessa etapa da história.Ainda continuamos a viver uma época de agonia das grandes utopias. E quando uma sociedade não é mais capaz de conceber e sustentar utopias, ela mostra-se doente. A utopia e o mito fazem parte essencial do individual e do coletivo humano. Somos muitas vezes tomados por um ceticismo utilitarista que transforma em ofensa os sonhos visões dos jovens, e considera como fraqueza humana a cultura da esperança. (Multiculturalismo: desafios para a educação na América Latina., Antônio Sidekum)
Em: http://www.uca.edu.sv/facultad/chn/c1170/sidekum.pdf


5. O "fim das utopias", no meu ponto de vista, se remete ao fim das lutas de classe e as tentativas de transformações sociais, ou estagnação delas, dessas lutas.
A clínica do quotidiano nos permite constatar que, efetivamente, uma série de paradigmas e valores de nossa sociedade, circunstâncias que se mantiveram relativamente estáveis no decurso de várias gerações que nos antecederam, são contestadas, modificadas e mesmo, substituídas por outros muito diferentes. Esta observação pode ser descrita como o "advento" da condição pós-moderna ou "a lógica cultural do capitalismo tardio" (Jamelson), ou seja, a etapa intermediária entre o "esgotamento" da modernidade e o período que a irá suceder e que não sabemos, exatamente, como será. (Fonte: http://www.rededemocratica.org)


6. (...)o oposto do pensamento utópico é o conservadorismo e o espontaneísmo. O conservadorismo afirma que, tal como é, a realidade histórica é boa, e deve ser mantida. O espontaneísmo afirma que, deixando a história entregue à sua própria lógica, ela, por si mesma, encontrará o seu destino bom. O utopista não aceita submeter-se nem a uma coisa nem a outra: ele exercita o pensamento, imagina situações novas, cria cenários impossíveis, e com isso força as coisas a acontecerem, acreditando que o homem não teria vindo ao mundo apenas para se sujeitar à ordem natural estabelecida, mas para, transgredindo o plano das continuidades causais e históricas, criar o “reino da liberdade” em universos desconhecidos.
(...) Aparentemente, as conquistas tecnológicas do homem o capacita a realizar qualquer sonho. No entanto, a miséria e a fome, isto é, a ausência de uma das mais primitivas liberdades, a liberdade de sobreviver, ainda é o que predomina. Para a grande maioria dos habitantes do planeta, o mínimo de condições dignas de vida ainda é um sonho. Então, por que se diz, citando John Lennon, um dos símbolos da contracultura dos anos 60, que o sonho acabou? (...) O sonho hoje é realizável, por isso acabou; isto é, já existem condições para liberdade, o problema é querer conquistá-la. (Filosofia – iniciação à investigação científica, José Auri Cunha)


7. Mário de Andrade, um dos fundadores do movimento modernista no Brasil, era muito claramente, um poeta da utopia. Ele propôs, através de sua poesia, a observação e a reinvenção do Brasil. Seu pensamento crítico era, ao mesmo tempo, ufanista e transformador, cheio de esperanças em relação a uma mudança de conduta da nação no que dizia respeito à cultura brasileira. Tomemos como exemplo dessa expressão poética, o poema O Rebanho, publicado em Pauliceia Desvairada (1922), contendo o renomado texto inicial “Prefácio Interessantíssimo” e diversos poemas cuja temática é a vida do indivíduo em uma cidade como São Paulo. (O pensamento utópico na poesia modernista: MÁRIO DE ANDRADE E T.S. ELIOT, Priscilla Pellegrino de Oliveira - Mestranda em Literaturas de Língua Inglesa- UERJ)


8. Se as coisas são inatingíveis... ora! / não é motivo para não querê-las... / Que tristes os caminhos, se não fora/ mágica presença das estrelas! (Das utopias, Mário Quintana)


9. "A utopia está lá no horizonte. Me aproximo dois passos, ela se afasta dois passos. Caminho dez passos e o horizonte corre dez passos. Por mais que eu caminhe, jamais alcançarei. Para que serve a utopia? Serve para isso: para que eu não deixe de caminhar" (Eduardo Galeano).


10. não era esta a independência que eu sonhava / não era esta a república que eu sonhava / não era este o socialismo que eu sonhava / não era este o apocalipse que eu sonhava (A marcha das utopias, José Paulo Paes)


11. (...) toda a realidade é uma construção social e, como tal, pode ser desconstruída e reconstruída. (...) Continuamos, portanto, a afirmar "um outro mundo é possível!” (Pelo resgate da Utopia. Em: www.espacoacademico.com.br)