quinta-feira, 14 de junho de 2012

(ACADEMIA BARRO BRANCO/VUNESP): "É POSSÍVEL PLANEJAR NOSSAS VIDAS EM UM MUNDO TÃO IMPREVISÍVEL?"

TEMA PARA REDAÇÃO

Texto I
Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,
Muda-se o ser, muda-se a confiança;
Todo o mundo é composto de mudança,
Tomando sempre novas qualidades.
(...)
O tempo cobre o chão de verde manto,
Que já coberto foi de neve fria,
E em mim converte em choro o doce canto.
E, afora este mudar-se cada dia,
Outra mudança faz de mor* espanto:
Que não se muda já como soía**.


* maior
** costumava acontecer

(Luís Vaz de Camões. Lírica.)

Texto II
O senhor... Mire veja: o mais importante e bonito, do mundo, é isto: que as pessoas não estão sempre iguais, ainda não foram terminadas – mas que elas vão sempre mudando. Afinam ou desafinam. Verdade maior. É o que a vida me ensinou. Isso que me alegra, montão. (Guimarães Rosa. Grande sertão: veredas.)

Texto III
Planejar é preciso. Principalmente quando tratamos de vida pessoal e carreira. Há quem viva a vida como o refrão da música do Zeca Pagodinho: “deixa a vida me levar, vida leva eu...” Certamente quem vive desta forma não atinge as vitórias da vida que sonhou ou o emprego que desejou. Para alcançar os objetivos na vida e na carreira é preciso disciplina. Há ainda quem acredite que planejamento é uma forma de engessar a vida. Os que crêem nisso têm uma visão errônea do que significa planejamento de vida e carreira. Planejar significa pensar com antecedência os passos que serão dados no futuro. Por isso, quem deseja atingir o sucesso precisa estruturar os passos para chegar lá. (Rogerio Martins. Planejamento de vida e carreira. www.administradores.com.br.)

Levando em conta as reflexões contidas nos três textos, bem como seus projetos de vida, elabore uma redação dissertativo-argumentativa, em conformidade com a norma-padrão da língua portuguesa, sobre o seguinte tema: É possível planejar nossas vidas em um mundo tão imprevisível?





TEXTOS PARA AUXILIAR REFLEXÃO SOBRE O TEMA: 1º)TRECHO de entrevista do sociólogo Zigmunt Bauman a Maria Lúcia Garcia Pallares-Burke. (em: www.scielo.br) - "Diferentemente da sociedade moderna anterior, que chamo de "modernidade sólida", que também tratava sempre de desmontar a realidade herdada, a de agora não o faz com uma perspectiva de longa duração, com a intenção de torná-la melhor e novamente sólida. Tudo está agora sendo permanentemente desmontado, mas sem perspectiva de alguma permanência. Tudo é temporário. É por isso que sugeri a metáfora da "liquidez" para caracterizar o estado da sociedade moderna: como os líquidos, ela caracteriza-se pela incapacidade de manter a forma. Nossas instituições, quadros de referência, estilos de vida, crenças e convicções mudam antes que tenham tempo de se solidificar em costumes, hábitos e verdades "auto-evidentes". Sem dúvida a vida moderna foi desde o início "desenraizadora", "derretia os sólidos e profanava os sagrados", como os jovens Marx e Engels notaram. Mas enquanto no passado isso era feito para ser novamente "re-enraizado", agora todas as coisas — empregos, relacionamentos, know-hows etc. — tendem a permanecer em fluxo, voláteis, desreguladas, flexíveis. A nossa é uma era, portanto, que se caracteriza não tanto por quebrar as rotinas e subverter as tradições, mas por evitar que padrões de conduta se congelem em rotinas e tradições.
Como um exemplo dessa perspectiva, li outro dia que um famoso arquiteto de Los Angeles estava se propondo a construir casas que permanecessem lindas "para sempre". Ao ser perguntado o que queria dizer com isso, ele teria respondido: até daqui a vinte anos! Isso é "para sempre", grande duração, hoje. O que me interessa é, portanto, tentar compreender quais as conseqüências dessa situação para a lógica do indivíduo, para seu cotidiano. Virtualmente todos os aspectos da vida humana são afetados quando se vive a cada momento sem que a perspectiva de longo prazo tenha mais sentido. (...) Uma das características do que chamo de "modernidade sólida" era que as maiores ameaças para a existência humana eram muito mais óbvias. Os perigos eram reais, palpáveis, e não havia muito mistério sobre o que fazer para neutralizá-los ou, ao menos, aliviá-los. Era óbvio, por exemplo, que alimento, e só alimento, era o remédio para a fome.
Os riscos de hoje são de outra ordem, não se pode sentir ou tocar muitos deles, apesar de estarmos todos expostos, em algum grau, a suas conseqüências. Não podemos, por exemplo, cheirar, ouvir, ver ou tocar as condições climáticas que gradativamente, mas sem trégua, estão se deteriorando. O mesmo acontece com os níveis de radiação e de poluição, a diminuição das matérias-primas e das fontes de energia não renováveis, e os processos de globalização sem controle político ou ético, que solapam as bases de nossa existência e sobrecarregam a vida dos indivíduos com um grau de incerteza e ansiedade sem precedentes.
Diferentemente dos perigos antigos, os riscos que envolvem a condição humana no mundo das dependências globais podem não só deixar de ser notados, mas também deixar de ser minimizados mesmo quando notados. As ações necessárias para exterminar ou limitar os riscos podem ser desviadas das verdadeiras fontes do perigo e canalizadas para alvos errados. Quando a complexidade da situação é descartada, fica fácil apontar para aquilo que está mais à mão como causa das incertezas e das ansiedades modernas. Veja, por exemplo, o caso das manifestações contra imigrantes que ocorrem na Europa. Vistos como "o inimigo" próximo, eles são apontados como os culpados pelas frustrações da sociedade, como aqueles que põem obstáculos aos projetos de vida dos demais cidadãos. A noção de "solicitante de asilo" adquire, assim, uma conotação negativa, ao mesmo tempo em que as leis que regem a imigração e a naturalização se tornam mais restritivas e a promessa de construção de "centros de detenção" para estrangeiros confere vantagens eleitorais a plataformas políticas.
Para confrontar sua condição existencial e enfrentar seus desafios, a humanidade precisa se colocar acima dos dados da experiência a que tem acesso como indivíduo. Ou seja, a percepção individual, para ser ampliada, necessita da assistência de intérpretes munidos com dados não amplamente disponíveis à experiência individual. E a sociologia, como parte integrante desse processo interpretativo — um processo que, cumpre lembrar, está em andamento e é permanentemente inconclusivo —, constitui um empenho constante para ampliar os horizontes cognitivos dos indivíduos e uma voz potencialmente poderosa nesse diálogo sem fim com a condição humana."


2º)Trecho de Convite à Filosofia, de Marilena Chauí - O possível não é o provável. Esse é o previsível, isto é, algo que podemos calcular e antever, porque é uma probabilidade contida nos fatos e nos dados que analisamos. O possível, porém, é aquilo criado pela nossa própria ação.É o que vem a existência graças ao nosso agir. No entanto, não surge como "árvore milagrosa" e sim como aquilo que as circunstâncias abriram para nossa ação. A liberdade é a consciência simultânea das circunstâncias existentes e das ações que, suscitadas por tais circunstâncias, nos permitem ultrapassá-la.


3º) PARTICIPAÇÃO DE JOSÉ SARAMAGO, NO PAINEL “QUIXOTE HOJE: UTOPIA E POLÍTICA”, NA COMPANHIA DE EDUARDO GALEANO, IGNACIO RAMONET, FREDERICO MAYOR ZARAGOZA E ROBERTO SAVIO (FÓRUM SOCIAL MUNDIAL DE 2005, -FSM - PORTO ALEGRE)- SARAMAGO: “Tenho uma má notícia para vos dar. A má notícia (...) eu não sou utopista. E pior notícia ainda: considero o conceito de utopia não só inútil como também tão negativo como a ideia de que ‘quando morrermos todos, vamos para o paraíso’. A utopia, segundo se diz, começou com Thomas Morus, com seu livro A Utopia, publicado em 1516. Isso coloca o nascimento de uma palavra, de uma ideia, mas podemos ir muito mais atrás, podemos ir a Platão. A utopia nasce sem nome e talvez o que esteja a atrapalhar aqui, seja o nome, porque curiosamente tudo o que foi antes [no FSM], poderia ser dito com igual rigor, com igual propriedade, sem a introdução da palavra utopia. Demonstrarei, ou pelo menos tentarei demonstrar mais adiante, porque há uma questão que, indissociável da utopia ou do pensamento utópico ou do anseio do ser humano de melhorar a vida e não só no sentido material, mas também na dimensão espiritual, na dimensão ética, na dimensão moral, está indissociavelmente ligada, e parece que não, a revitalização, ou se quiserem, a reinvenção da democracia. Mas vamos primeiramente a D. Quixote. Mas queria dizer antes de falarmos de D. Quixote que para os 5,5 milhões de pessoas que vivem na miséria, conforme nos declarou Ignácio Ramonet, a palavra utopia não significa rigorosamente nada e também não significará muito depois que tenham suas necessidades essenciais satisfeitas, que passem também a usar, a divulgar ou a utilizar, num discurso, mais ou menos emotivo, a palavra utopia como se isso viesse a acrescentar algo a aquilo que, por trabalho ou por luta, conquistaram para deixarem de ser 5,5 milhões de pessoas na miséria. (...) Curiosamente, muitíssimo anos depois de Platão e muitíssimo anos depois de Thomas Morus e bastante anos depois de Fourier, que foi outro ideólogo da utopia, apareceu um poeta francês chamado Rimbaud, que escreveu meia dúzia de palavras que são essenciais em tudo isso o quanto estamos dizendo. Seus versos dizem simplesmente isso (...). Traduzindo ao português de Camões e de Machado de Assis, isso significa que “a vida autêntica está em outro lugar”. Por que se poderia estabelecer um nexo de utopia, entre, por exemplo, Thomas Morus, entre, por exemplo o que se acha de utópico em D. Quixote, estou muito de acordo com Ignácio porque efetivamente D. Quixote também não é um utópico, não é, melhor dizendo um utopista, mas efetivamente nessas palavras “a vida autêntica está em outro lugar”, isto pode ligar-se, digamos, nesta cadeia de associação de ideais e de ecos , de ideias que vêm de trás e vão sendo captadas ao longo do tempo com a ideia de que talvez afinal talvez houvesse no caso de D. Quixote um intento utópico. Já foi dito que não; efetivamente é muito difícil porque, no fundo no fundo, D. Quixote é emblemático, no melhor sentido da palavra, porque também pode ter um bom sentido. Também é certo que as palavras são umas desgraçadas, quer dizer, fazemos delas tudo aquilo que queremos. Um político português que esteve aqui há poucos dias... aqui já foi dito que a política é arte do possível; pois, eu disse há alguns anos que a política é a arte de não dizer a verdade. E sabemos que os políticos, em grande parte, mesmo quando não é um discurso para esconder, é um discurso que pelo menos falseia, deturpa, condiciona, manipula. Quando eu vos digo que não sou um utopista, e que, até tenho que dizer com toda franqueza que me desagrada o discurso sobre a utopia, porque o discurso sobre a utopia é o discurso sobre o não-existente. Já sabemos, todo mundo sabe, que utopia é algo que está em lugar qualquer, e, portanto, não se sabe se vai se chegar a algo, uma vez que não se conhece o destino, também não sabe qual o caminho para lá chegar, também não saberá quando. Mas o pior de tudo é um equívoco tremendo que caímos todos o que falamos de utopia e que é o seguinte: a utopia, no fundo no fundo, em termos práticos, significa que eu que necessito umas quantas coisas quer como pessoa quer como membro de uma coletividade, de uma sociedade, mas que sou consciente de que não posso tê-las porque os inimigos são mais poderosos, porque me faltam os meios, porque ‘a fruta não está madura’ e, portanto digo, bom, isso que não posso ter agora, hei de tê-lo um dia. Hitler também dizia que o regime nacional-socialista também era para durar dois mil anos, aqui está também outra utopia. E vivemos de utopias como vivemos durantes séculos vivemos de mitos, vivemos de crenças, vivemos coisas que não têm nada que ver com a razão mas tem muita implicação das igrejas e de seitas que não têm nada para dar, mas têm tudo para prometer e isso são formas de utopia, de felicidade, de suor, isto é, as pessoas vão ali tiram dinheiro de seu sangue para pagar esses enganadores que são exatamente aqueles que fazem o discurso da mentira. O grande equívoco em que caímos todos é imaginar que aquilo que nós precisamos ter, mas que não podemos ter por faltarem os meios, mas que vamos colocar num futuro, esquece um pormenor muito simples: vamos imaginar que aquilo que nós desejaríamos, ou estejamos desejando agora mesmo, é talvez realizado no ano de 2043 (não, em 2043 estamos muito pertos) vamos imaginar que precisamos mais de 100 ou 150 anos. Nós esquecemos algo tão simples e claro como isto: podemos ter a certeza de que aquilo que para nós seria estupendo, seria a utopia realizada hoje, se hoje tivéssemos aquilo que sabemos que não podemos ter e, por isso pensamos que daqui a 150 anos não nós, mas os nosso descendentes vão tê-los, ignora esta simples contradição: quem é que nos garante que as pessoas que talvez estejam no mundo, os vivos de então, descendentes nossos (...) quem é que nos garante que eles estarão interessados naquilo que hoje nós estamos interessados? Quem é que nos garante isso? Então, aquilo que a mim me parece como mais sobriamente, menos retoricamente e até menos demagogicamente, é dizer que o único lugar, o único lugar (tempo), em que efetivamente nosso trabalho possa ter um efeito e que esse efeito possa ser conhecido por nós, discutido por nós, contestado por nós para passar ao futuro imediato é o dia de amanhã. O dia de amanhã é a nossa utopia; é com o trabalho de hoje que se constrói não já a utopia do amanhã, porque sabemos que a utopia não é tão modesta em questão de tempo, sempre se projeta não se sabe nem se sabe donde; com a nossa pequena vida que temos e com a nossa relativa esperança de que amanhã estaremos todos vivos, é com o trabalho do hoje que o amanhã se fará e é com o trabalho do que está passando aqui, no Fórum Social Mundial, que o dia da amanhã poderá sofrer, receber, captar alguma transformação. Não pensemos na utopia (...) Como eu disse antes, as palavras são umas desgraçadas (...) e o pior de tudo é que pode ser usada uma mesma palavra não só para dizer coisas diferentes, mas frontalmente contrárias (...) eu tinha dito que iria propor tirar a palavra utopia do dicionário, mas enfim deixe-a a lá estar, mas deixe a lá estar quieta. O que eu queria dizer é que há uma outra questão que tem que ser urgentemente revista, tudo se discute nesse mundo, menos uma única coisa que não se discute: não se discute democracia. A democracia está aí como se fosse uma espécie de santa d’ altar, de quem já não se espera milagres, mas que está aí como uma referência; e não se repara que a democracia em que vivemos é uma democracia seqüestrada, condicionada, amputada, porque o poder do cidadão, o poder de cada um de nós limita-se, na esfera política, a tirar um governo de que não goste e a pôr outro de que talvez venha gostar. Na verdade, as grandes decisões são tomadas numa outra esfera e todos sabemos qual é: as grandes organizações financeiras internacionais, os FMIs, as Organizações Mundial de Comércio, os bancos mundiais, nenhum desses organismos é democrático e, portanto, como podemos continuar a falar de democracia se aqueles que efetivamente dirigem o mundo não são eleitos democraticamente pelo povo. Quem é que escolhe os representantes dos países nessas organizações? Os partidos dos povos? Não. Donde está então a democracia? Só uma palavra mais para terminar: se nós fôssemos, em cada momento, cumprindo aquilo que chamamos as nossas utopias, se a realização delas fosse possível, num prazo curto, isso seria o bom, isso seria o útil, não chamaríamos de utopia; chamaríamos simplesmente trabalho, objetivo, caminho, determinação, meios, vontades, nada mais; não chamaríamos de utopia. Somos obrigados ou temos sido obrigados a dar-lhe esse nome como quem dá um nome que fica suspenso, pairando no ar e que já avaliamos o que farão deles nos dias de amanhã (...) quando a única coisa que temos segura é o dia de amanhã. E se esse Fórum se lançar a execução das cinco propostas lidas (...) aí temos material de trabalho e não para divagarmos assim: a utopia, a utopia, a utopia. ((Palavras de José Saramago no Fórum Mundial Social 2005, em Porto Alegre. Em: http://vimeo.com/16096519)

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